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MÚSICA E O EXORCISMO DO PANDEMÔNIO

MÚSICA E O EXORCISMO DO PANDEMÔNIO

Por Antonio Pessotti

Não há quem não tenha ouvido a frase “Música faz bem”. Aliás, ela, a Música, é necessária no momento que passamos, de isolamento social devido à pandemia. É necessária porque nos ajuda a superar as crises emocionais, ganhar ânimo diante de situações tensas, passar o tempo, enfim.

Mas, será verdade tudo isso? O que a Ciência nos mostra? A prática nos convence há séculos, e, mais recentemente, com as manifestações na Europa durante os períodos mais críticos do isolamento social.A seguir, faço a exposição de três estudos recentes sobre a relação Música e Psicologia.

Susan Hallam (Psychology of Music, 2018) levanta várias questões: como a Música afeta nosso humor? Qual a melhor forma de desenvolver habilidades musicais? Como a definição de Música muda entre as culturas?

A autora explica que o campo da Psicologia da Música explora o impacto importante que a música tem em nosso cotidiano, e sua influência na sociedade, grupos e indivíduos. Esse campo de estudo demonstra como a Música pode beneficiar nossa atividade intelectual, saúde, bem-estar,além de examinar a habilidade musical como “dom” e algo que pode ser desenvolvido durante aprendizado e prática.

É notório que a Música aprimora nossa compreensão de humanidade e da vida moderna, e, segundo a autora, a Psicologia da Música nos mostra a significância da Música, e o poder que ela tem sobre nosso comportamento.

Swathi Swaminathan e E. Glenn Schellenberg (Emotion Review, 2015) discorrem sobre o fato da Música ser um Universal, algo conhecido por todo ser vivo (até mesmo, extraterrestres?), pois, ao menos parcialmente ela permite expressar emoções e regular os afetos. As associações entre música e emoção têm sido examinadas regularmente por pesquisadores da área da Psicologia da Música.

Os autores revisam achados recentes em três áreas:a) a comunicação e a percepção da emoção na música, b) as consequências emocionais do ouvir música, e c) fatores preditores das preferências musicais.

Ian Cross (Psychology of Music, 2014) discorre que há um consenso sobre o fato da música ser universal e comunicativa. O diálogo musical é considerado um elemento-chave em muitas práticas terapêuticas, porém,a ideia de que a música é um meio comunicativo tem pouca atenção nas Ciências Cognitivas, com poucas e limitadas pesquisas, e, consequentemente, com relevância limitada para a musicoterapia.

O autor usa evidências etnomusicológicas e uma compreensão da comunicação derivada do estudo da fala para esboçar uma estrutura na qual situar e entender a música como prática comunicativa.

Ele descreve alguns dos principais recursos da música como meio participativo interativo – incluindo arrastamento e intencionalidade flutuante – que podem ajudar a sustentar o entendimento da música como comunicativa e que podem ajudar a orientar abordagens experimentais na ciência cognitiva da música para esclarecer os processos envolvidos na comunicação musical e nas consequências do envolvimento na comunicação através da música para os indivíduos em interação.

Segundo o autor, isso sugere que o desenvolvimento de tais abordagens pode permitir que as ciências cognitivas forneçam uma compreensão mais abrangente e preditiva da música em interação, o que poderia ser um benefício direto para a musicoterapia.

O artigo de Orii McDermott, Martin Orrell, Hanne Mette Ridder (Aging and Mental Health, 2014) trata de aspectos clínicos,específicos à demência. Segundo o levantamento dos autores, apesar da popularidade das intervenções baseadas na música no tratamento da demência, há um conhecimento limitado de como e por que as pessoas com demência consideram a música benéfica para o seu bem-estar.

Os autores fizeram estudo qualitativo para desenvolver insights adicionais sobre as experiências musicais de pessoas com demência, e explorar o significado da música em suas vidas.

A pesquisa dividiu em grupos focais separados e entrevistas com (1) residentes em casas de repouso com demência e suas famílias, (2) clientes de pronto atendimentos com demência, (3) equipe de atendimento domiciliar e (4) musicoterapeutas. Os achados da análise temática foram investigados à luz de fatores psicossociais com o objetivo de desenvolver um modelo teórico sobre música na demência.

Os resultados relatados pelos autores foram seis. A acessibilidade da música para as pessoas em todas as fases da demência; os laços estreitos entre a música, a identidade pessoal e os eventos da vida; a importância da construção de relacionamentos através da produção musical foram particularmente destacados como valiosos.

Eles desenvolveram um modelo psicossocial da música na demência, que revelou a importância da música para apoiar a psicologia pessoal de pessoas com demência e a psicologia social do ambiente doméstico de cuidado. Esse estudo demonstrou que os efeitos da música vão além da redução dos sintomas comportamentais e psicológicos.

A preferência individual da música é preservada durante todo o processo de demência. Manter a conexão musical e interpessoal ajudaria a valorizar quem é a pessoa e manter a qualidade de sua vida.

Esses estudos, como exposto, demonstram que a Música realmente faz bem, praticando, ouvindo. Vai além do desenvolver nossa interioridade, vai até o outro, até a interação social. Esses tópicos já foram discutidos também por outra área: a Filosofia da Música. Mas, esse é outro assunto a ser desenvolvido, futuramente.

Vídeo de entrevista na integra:https://www.youtube.com/watch?v=YEgDz09Oooc&t=29s

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POR MÁRCIO SANTIM

NATAL (WHITE CHRISTMAS) PARTE 1

NATAL (WHITE CHRISTMAS) – PARTE 1

Por Marcio Santim

Esse episódio não está incluído nas temporadas de Black Mirror, sendo um especial exibido pela primeira vez na TV em dezembro de 2014, que contém três histórias interligadas no seu enredo.

Em termos psicológicos, poderíamos começar a análise a partir de qualquer parte, mas para não perder o foco no desenrolar da história, será observada a sequência dos acontecimentos conforme apresentados pela trama.

Os dois personagens principais Joe e Matt aparecem isolados em uma residência no meio de um deserto coberto por neve, prestes a comemorarem o Natal. Enquanto Matt prepara a ceia, tenta também a todo custo estabelecer um diálogo com o seu companheiro Joe, visto que havia menção de já fazer cinco anos em que estavam isolados naquele local e ainda não haviam minimamente se comunicado.

Apesar das investidas de Matt para que Joe falasse algo, este se mantém inerte,em total silêncio, apenas observando o seu companheiro que em razão de hipoteticamente não suportar mais aquela monotonia, resolve começar a contar sobre as razões de estar confinado naquele lugar.

A princípio, Matt expõe a Joe o seu entretenimento predileto, que também lhe rendia dinheiro, caracterizado por liderar um grupo de pessoas, uma espécie de clube voltado para bisbilhotar os relacionamentos amorosos e sexuais dos seus integrantes, com a mútua aceitação e conhecimento de todos os participantes.

Com toda a sua eloquência e experiência nas artimanhas relacionadas à conquista amorosa, Matt começa a aconselhar detalhadamente em tempo real um jovem integrante do grupo em como se aproximar e conversar com uma garota dentro de uma festa.

O contato visual e auditivo era possibilitado por meio de um aparato tecnológico chamado “Z-Eye” (olhos Z) implantado nos olhos das pessoas. Um tipo de câmera intraocular que permitia às pessoas, mesmo sem estar fisicamente presente em um ambiente, visualizar remotamente e se comunicar verbalmente como sujeito que se encontrava fisicamente num determinado local. Tal conexão e transmissão de informações eram feitas pela Internet em tempo real.

O jovem Harry aparentava ser muito tímido e inseguro, fato esse que o deixava totalmente submisso aos comandos de Matt e sob os olhares indiscretos dos demais telespectadores integrantes do grupo, que ficavam muito ligados na situação e sempre que possível interagiam com o líder, a fim de sugerir algum tipo de direcionamento ao espetáculo da vida privada ora presenciado. Na realidade, essa parte do episódio faz lembrar bastante a dinâmica existente nos reality shows do tipo Big Brother.

Matt denominava esse tipo de atividade realizada como assistência romântica in loco. Para surpresa e apreensão de Harry, a técnica de conquista utilizada por Matt acaba de certa forma funcionando no primeiro encontro e a garota convida o jovem para irem até a casa dela e assim ficarem mais à vontade. Para delírio do auditório, todos os indícios apontavam que os expectadores iriam observar uma relação sexual de alguém que nunca havia transado.

Mas a situação acabou sendo bem diferente. Na realidade, não foram os conselhos dados por Matt os responsáveis pelo êxito no processo de sedução, mas sim o fato de a garota Jennifer que tinha distúrbios paranoicos, ter em um momento observado Harry conversando “sozinho”, quando de fato comunicava-se com seu assessor, e com isso deduzido que ele também era incomodado por vozes sinistras.

No entanto, como a garota havia interrompido o seu tratamento medicamentoso e acreditava que as vozes perturbadoras que ouvia eram de fato reais,ela começou a pensar que Harry também apresentava esse sofrimento e acabou por força-lo a tomar junto com ela uma bebida envenenada que provocaria a morte de ambos.

Matt percebeu a gravidade da situação e insistiu para que Harry saísse imediatamente daquela residência,porém não foi possível evitar a tragédia. A partir disso, para se esquivar do descobrimento quanto ao seu envolvimento no crime, Matt tenta destruir todos os arquivos que continham aquelas imagens, mas a sua esposa acaba descobrindo e coloca um fim no relacionamento entre eles, bloqueando a imagem capturada pelos olhos Z deforma que não conseguissem mais se ver.

O que podemos citar como fundamental nessa parte do episódio para a realização da nossa análise, refere-se à coexistência na atualidade de fortes disposições psicológicas relacionadas ao voyeurismo e ao exibicionismo, aliadas aos mais variados dispositivos tecnológicos que permitem e estimulam a manifestação desses fenômenos de forma ímpar ao longo da história.

Há toda uma indústria do entretenimento, facilitada pela disseminação de aparelhos eletrônicos, que produz e divulga incessantemente o objeto de desejo tanto de voyeurs (prazer em ver) quanto de exibicionistas (prazer em mostrar),que é justamente a intimidade.

Uma intimidade bem diferente, se comparada a de tempos pretéritos, como por exemplo, aquela existente no início do século XX quando Freud estudou oscitados fenômenos, principalmente pelo fato dos recursos tecnológicos possibilitarem que ela seja maquiada e manipulada até o âmago da sua estrutura,tornando-se uma fugaz representação daquilo que se concebia como intimidade,exatamente pela superficialidade que a tem caracterizado.

Ao migrar do âmbito privado para o espaço público, a intimidade se transforma em bem de consumo, espetáculo e consequentemente observamos uma desfiguração da afetividade que lhe era inerente. Mais especificamente, numa sociedade em que se imperam egos inflados, obcecados por selfies e curtidas frente aos espelhos negros, troca-se a afetividade pela frieza competitiva existente nas redes sociais.

Uma nova forma de configuração da subjetividade que tem necessidades impositivas socialmente de se expressar nos mais variados campos virtuais para se certificar da sua existência nesse mundo de relações mediadas pela tecnologia.

As vozes ouvidas por Jennifer, em decorrência de seu distúrbio psicológico, onde o principal sintoma se apresentava como paranoia, caracterizam-se como metáfora relacionada a diversos tipos de situações reais em que as pessoas se dispõem a se expor nas redes sociais muitas vezes para uma plateia anônima cujas vozes de aprovação e reprovação, representadas materialmente sob a forma de comentários padronizados e principalmente por símbolos infantis chamados emoticons ou emojis, soam constantemente nas suas consciências e têm servido como parâmetros para a formação das suas identidades.

Em razão da exposição realizada pelas pessoas nas redes sociais se dirigir a uma plateia e as reações apresentadas por essa última se mostrarem padronizadas, a recepção a essas reações que se constituem como vozes generalizadas e impessoais se torna difusa e diante delas as pessoas têm se submetido para incondicionalmente apresentarem seus comportamentos que por sua vez também assumirão o feitio da impessoalidade.

Com frequência, momentos de lucidez frente a essa realidade de dominação/ submissão demoram demasiadamente para aparecer, pois o controle nos meandros da internet não se apresenta de forma brutal e impositiva, contrariamente constitui-se mediante elementos profundamente sedutores e manipuladores.

Tal como foi o caso do personagem Harry que na realidade foi seduzido pelo fato de poder entrar num grupo em que disporia de todos os recursos eficazes quanto aos aconselhamentos para se conquistar uma garota. Mas, mesmo que seja gratuita a utilização da maioria dos diversos aplicativos eletrônicos,sempre há um preço a ser pago e sem dúvida muito maior do que podemos imaginar.

No momento em que Harry está no apartamento de Jennifer, ele implora enfaticamente para que os seus observadores os deixassem a sós e desconectassem os olhos Z: “Eu quero estar sozinho com ela”.

Porém, essa não era a regra do jogo, pois o consentimento na utilização desses aplicativos, na maior parte dos casos, implica na renúncia de boa parte da privacidade e a contradição se apresenta justamente no fato de que mesmo sozinho e isolado fisicamente, alguém pode saber onde e com quem você está. Certamente essa objetividade histórica tem propiciado aos mais variados tipos de paranoias transporem o plano subjetivo para se manifestarem como realidade efetiva. Continua na próxima parte.

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POR MÁRCIO SANTIM

METALHEAD

METALHEAD

Por Marcio Santim

O mundo devastado por algum tipo de catástrofe, provavelmente provocada pela atuação humana no planeta: esse é o tema apresentado no presente episódio de cunho pós-apocalíptico que se constitui como o mais curto da série Black Mirror, com 41 minutos de duração.

A trama não apresenta elementos suficientemente claros para a realização de uma análise precisa sobre o episódio, no entanto, trabalharei com algumas hipóteses interpretativas fundamentadas mais no campo subjetivo em que penso serem condizentes com as ideias sugeridas pelo autor.

Primeiramente, quando menciono a possibilidade dessa destruição em massa do planeta ter sido ocasionada pelo próprio Homem, parto da constatação do tipo de seres que começaram a dominar o mundo, caracterizados por poderosos cães robóticos repletos de dispositivos relacionados à inteligência artificial.

Grosso modo, a inteligência artificial é uma criação humana que tem potencializado os mais variados tipos de instrumentos tecnológicos que servem para ampliar o alcance e as funções dos diversos membros do corpo humano, tais como olhos, ouvidos, mãos, no sentido de substituir gradativamente por algoritmos o pensamento que estava por detrás e comandava anteriormente o funcionamento básico desses objetos.

Em outras palavras, a IA tem colaborado gradativamente e de forma acentuada para que a maior parte das atividades relacionadas ao trabalho, estudo e lazer prescindam da atuação humana para a sua realização, pois com a criação de softwares altamente complexos, é possível uma atuação cada vez mais autônoma por parte do referido tipo de inteligência.

Sem dúvida, uma preocupante realidade em que se em alguns aspectos favorece o desenvolvimento da sociedade, por outro ângulo nos tem mostrado toda a sua dimensão nociva, justamente por segregar muitas pessoas quanto ao usufruto dos seus benefícios.

Tomemos o trabalho como exemplo: quantos empregos, e importante frisar, já haviam sido eliminados com a revolução tecnológica, ainda estão para ser descartados nesse profundo e desenfreado avanço digital por que atravessamos? Não podemos sequer chamar de projeto de desenvolvimento social, algo que nem chega a contemplar quem de fato seria a maior interessada: a sociedade como um todo.

Contrariamente, exige-se daqueles que estão empregados cada vez mais sacrifícios, horas e mais horas de trabalho, constante adaptação, resiliência, a fim de retardar a sua entrada na vasta estatística de desempregados. Processo esse de grandes transformações, chamado por muitos intelectuais de novo darwinismo social, fazendo alusão ao fato de que somente uma pequena parcela da população irá sobreviver nessa selva tecnológica.

É uma grande enganação o discurso relacionado à necessidade de crescimento econômico mediante desmedidos aumentos no PIB (Produto Interno Bruto), destinados à geração de empregos, diante do tamanho da população habitante desse planeta.

Além do mais, se levarmos em conta as reduções de custos relacionadas à adoção de máquinas com IA frente a contratação de funcionários, que tem tornado a maior parte dos empregos obsoletos. Tudo isso não é de forma alguma predição, mas sim realidade facilmente constatável.

A ideia de empregabilidade é uma falácia, pois joga toda a responsabilidade nos indivíduos quanto ao fato de estarem aptos para conseguirem ou manterem o emprego em uma dinâmica empresarial aliada à IA cuja lógica funcional se caracteriza exatamente pelo seu oposto, ou seja, no incansável rastreamento de todas as atividades laborais que possam ser suprimidas ou deixadas ao encargo das máquinas.

O episódio nos traz exatamente essa perspectiva da implantação de um mundo totalmente hostil à vida humana em que observamos o império da escassez, junto às máquinas de IA que dominam e exterminam as pessoas de maneira fria e inescrupulosa.

Os animais, no caso os porcos, tal como apresentados na história, também são eliminados pelos cães robôs; a vegetação aparece seca e acinzentada. Aliás, todo o episódio é exibido em preto e branco justamente para nos sensibilizar quanto à falta de vivacidade em um mundo aniquilado de suas riquezas naturais.

A explicitação de uma crítica ecológica em que as constantes agressões sofridas pela natureza em razão do estabelecimento de práticas devastadoras voltadas para a aceleração do desenvolvimento econômico em nome da manutenção da vida dos indivíduos, contrariamente pode provocar exatamente o seu colapso, pois nesses discursos regidos por idealismos e realismos dogmáticos, esquece-se de que essas mesmas pessoas também fazem parte da natureza e necessitam dela para sobreviver.

Assim como precisamos de comida, roupas e outros objetos para podermos viver, também são a nós imprescindíveis a água e o ar respirado; elementos naturais que nenhum aparelho de IA poderá produzir o suficiente, a fim de que toda a vida na Terra seja preservada.

Certamente não chegamos ao mundo apocalíptico apresentado Metalhead, mas diante daquilo que observamos na sociedade atual, não sabemos o quanto estamos distantes de uma catástrofe generalizada que possa destruir a humanidade ou tornar a vida na Terra praticamente inviável.

Atualmente, estamos vivendo essa dramática pandemia Covid-19 causada pelo coronavírus, que já serve como um grande alerta do quanto somos frágeis diante de fenômenos naturais.

Temos urgência de repensar o modo de funcionamento social, no intuito de podermos utilizar os recursos tecnológicos disponíveis em benefício de todos e não apenas das elites que dominam a sociedade nos seus mais variados seguimentos.

Em um mundo com o grau de avanço tecnológico tal como podemos observar, a miséria pode ser considerada como uma produção genuinamente humana e por consequência depende exclusivamente de nós extirpá-la da face do planeta.

Por exemplo, o potencial tecnológico para produção agrícola poderia facilmente eliminar a fome existente no mundo mediante a produção e distribuição dos mais variados tipos de grãos.

Porém, em muitas partes do mundo, o que vemos de fato é algo sombrio tal como o clima mostrado pelo episódio. Ambientes inóspitos, sem condições mínimas de saneamento básico e higiene, destruídos por guerras ou guerrilhas; pessoas extremamente magras e desnutridas; mortalidade infantil; torturas, estupros e abusos sexuais.

É lamentável, em pleno século XXI, ainda encontrarmos esse nível de luta pela sobrevivência nos países subdesenvolvidos em que, por outro lado, muitas nações desenvolvidas viram as costas para essa trágica realidade; mas como o planeta é um habitat comum a todos os seres vivos, em algum momento as consequências da miséria social e da destruição da natureza poderão ser sentidas globalmente; trata-se apenas de uma questão de tempo.

Bella, a personagem principal do episódio, junto com dois amigos se arriscam a sair do seu esconderijo para ir num armazém abandonado, a fim de encontrar algo que havia prometido a um dos sobreviventes. Tudo nos levava supor que se tratava de alguma coisa essencial para a manutenção da vida, tais como alimentos ou suprimentos.

No entanto, as suas missões não foram bem-sucedidas em razão de terem sido atacados por um cão robótico. No final do episódio, aparece que os objetos procurados estavam dentro de uma caixa e se tratavam de ursos de pelúcia.

Provavelmente, esses brinquedos seriam destinados a alguma criança sobrevivente. Talvez de maneira tão importante quanto ao alimento que nos mantem fisicamente vivos, necessitamos também de algo que nutra a alma, que nos faça interagir com o mundo de uma forma afetiva que destoe da tonalidade acinzentada, pragmática e deprimente daquela que insistem em nos fazer acreditar que seja a essência da realidade.

Os ursos de pelúcia representam esse rompimento com aquilo que nos é mostrado como fundamental para a existência. O lado lúdico como uma forma de promoção da vida ao lado dos elementos naturais que fazem com que nosso corpo pulse e se mantenha vivo. Um pouco no sentido da música Comida, interpretada pelos Titãs, conforme trecho abaixo:

Bebida é agua
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte

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POR MÁRCIO SANTIM

O POÇO

O POÇO

Por Marcio Santim

Sempre tenho dúvidas do quanto podem acrescentar às pessoas os filmes e outros tipos de produções cuja forma se apresenta repleta de elementos estéticos caracterizados por extrema violência em que, diante da quantidade de sangue estampado na face de seus personagens, chegamos até mesmo a achar estranho quando alguma cena não aparece impregnada pelo vermelho ou composta por corpos desfigurados.

Certamente que esse tipo de estética artística, com seus recursos tecnológicos que permitem com que a ficção se aproxime cada vez mais da realidade, tem colaborado significativamente para naturalizar a violência,tornando-nos cada vez mais insensíveis frente às barbáries deflagradas nos mais variados âmbitos da nossa sociedade.

Nesse sentido, podemos considerar a concretização dos espancamentos e sangramentos contumazes como consequência dos diversos tipos de assédios e torturas psicológicas preexistentes e silenciosas que, na maior parte das vezes, somente sinalizam a sua existência no momento em que desembocam na agressão física.

No entanto, apesar de toda a violência chocante existente no filme espanhol O poço que inclusive em termos estéticos se aproxima muito dos jogos de terror estilo survival existentes em várias plataformas de vídeo game, essa produção apresenta um caráter profundamente ambíguo em razão do conteúdo inerente à sua história nos colocar muitas questões para refletirmos, tanto em aspectos sociais quanto psicológicos.

Não cabe a mim asseverar quais foram as reais intenções do autor e produtores em amplificar esteticamente a bestialidade humana para expressar dinâmicas sócio econômicas que sedimentam diversos tipos de relações interpessoais e sociais, mas coloco uma hipótese para pensarmos: será que a nossa consciência está tão embrutecida a ponto de precisarmos constantemente de doses mais elevadas de violência para podermos nos atentar para a existência e crescimento de profundas injustiças sociais?

Em um primeiro plano, observamos que o filme realiza essa crítica social de maneira bem contundente. O poço apresenta-se como metáfora de uma sociedade cuja base econômica de funcionamento produz diversos segmentos sociais em que as diferenças são marcadas não somente pelas esperadas singularidades culturais ou individuais, mas infelizmente também por significativas desigualdades determinantes do grau de acesso aos bens materiais. No caso, bens esses que não seriam considerados supérfluos, mas exatamente aqueles essenciais para a manutenção da vida, a saber: comida e bebida.

Enquanto certas pessoas que se encontravam nos andares mais elevados do poço tinham alimentos em fartura e os desperdiçavam ao seu bel prazer, outras que ocupavam os andares inferiores recebiam os restos deixados pelas primeiras por meio de uma plataforma que se deslocava verticalmente no interior dessa prisão.

Importante frisar que as sobras dos alimentos não eram deixadas por livre e espontânea vontade das primeiras pessoas mencionadas no parágrafo anterior, mas sim devido às regras existentes nesse mundo distópico em que a plataforma se encontrava programada para permanecer apenas durante um curto período de tempo em cada andar.

As relações estabelecidas no poço também trazem à tona o grau de individualismo existente no mundo atual em que pouco importa para muitos daqueles que vivem em um patamar econômico mais elevado, o impacto das suas ações ou omissões perante aquelas pessoas mais fragilizadas na hierarquia social.

Uma noção caracterizada pelo fato de somente se ter a percepção da existência de uma realidade que se caracteriza única e exclusivamente por aquele mundo particular em que determinadas pessoas vivem. No caso do filme,esse mundo particular está representado nas dinâmicas de convívio presentes em cada andar componente do poço.

Basicamente, encontramos duas perspectivas entre a maioria das pessoas que estava naquele ambiente: a ambição de ascender aos primeiros andares e o total desprezo por aqueles que se encontravam nos níveis mais baixos, a ponto de nem se importarem se conseguiriam se alimentar para poderem sobreviver.

Porém, pelo menos em termos formais, como uma das propostas do sistema inerente ao funcionamento do poço era desenvolver nas pessoas um tipo de solidariedade espontânea, as posições por elas ocupadas nos andares não se apresentavam estáticas, ou seja, após um certo período de tempo ocorriam as suas transferências para outros andares, a fim de poderem experimentar a realidade inerente a cada um.

Dessa forma, uma mesma pessoa poderia experimentar os mais variados graus de fartura, moderação ou escassez, conforme a sua localização dentro do poço, independentemente de se ter algum controle sobre isso.

Analogicamente, é exatamente isso que ocorre na realidade devido à interferência dos mais variados fatores. Por exemplo, um empresário próspero pode vir a falir e consequentemente ter que diminuir o seu padrão de vida econômico. Outro fato, talvez menos comum, diz respeito àquelas pessoas provindas de famílias pobres que conseguiram obter um bom emprego ou montar o seu próprio negócio e tornaram-se bem-sucedidas financeiramente.

A sociedade possui as suas próprias vicissitudes que muitas vezes não dependem exclusivamente da capacidade individual para mudar de posições na hierarquia social, em termos apenas de competência ou incompetência.

Dentro do poço, as experiências interpessoais também variavam, pois quando alguém mudava de andar seguia-se também uma alteração da pessoa com quem era dividida a permanência naquele ambiente.

Agora entrarei na análise psicológica acerca do filme, que não deixa de estar relacionada àquela descrita anteriormente de ordem sociológica, porém possui outras características que podem nos auxiliar a entender tanto questões pertinentes a nossa vida pessoal quanto à dinâmica social pela qual estamos envolvidos e também somos determinados.

Vamos abstrair os comportamentos e modos de pensamentos apresentados pelos demais personagens e focar apenas no personagem principal.

Goreng adentra e desperta em um mundo diferente e a sua mente começa a trabalhar de forma similar aos mecanismos existentes na atividade onírica (sonho) em que imagens se sucedem rapidamente e algumas vezes aparecem distorcidas ou sobrepostas a outras imagens ou situações. Além disso, a realidade sempre se faz presente por meio de lampejos que remetem a determinadas situações vividas efetivamente, tal como exemplo, a entrevista realizada antes de ser aprovado para entrar no poço.

Trabalharei com a hipótese de que os personagens com quem Goreng interage no referido ambiente são projeções de aspectos existentes no seu próprio inconsciente, representando frustrações, medos, desejos, culpa;associados com representações de pessoas com que ele possa ter se relacionadona sua vida real.

As lutas sangrentas travadas por Goreng ao longo do filme, que inclusive simbolicamente representam algumas enfrentadas por todas as pessoas na sua vida,seja em termos imaginários ou concretos, são efetivamente derivadas dos seus conflitos interiores e trazem no seu âmago o anseio existente em todos para se realizar e encontrar a felicidade na vida.

Felicidade essa não aquela padronizada e derivada das receitas de auto ajuda vendidas a exaustão nos meios de comunicação de massa, mas sim aquela dimensão que somente pode ser encontrada por meio de um profundo e árduo processo de autoconhecimento, que, na maioria das vezes, implica em se ter a coragem e a persistência necessárias para enfrentar os fantasmas interiores.

No sentido da clássica música Caçador de Mim, interpretada por Milton Nascimento e outros artistas, parece ser esse o movimento psicológico do personagem:

“Nada a temer senão o correr da luta

Nada a fazer senão esquecer o medo

Abrir o peito a força, numa procura

Fugir às armadilhas da mata escura”

A ideia passada pelo filme era de que a grande maioria daquelas pessoas acreditava que a felicidade estava no fato de ser abastado materialmente e principalmente no falso conforto de saber que existia sempre alguém que se encontrava em situação mais precária, justamente porque ninguém conhecia exatamente o tamanho do poço, ou seja, onde se encontrava o seu fundo.

Esse tipo de situação gerava um certo comodismo por parte de muitos personagens, representando algumas atitudes complacentes que tomamos frente às inúmeras injustiças existentes na realidade, acreditando que somente o fato de nos encontrarmos em uma situação econômica melhor do que a de determinadas pessoas, possa ser suficiente para nos fazer felizes.

Dentro do poço, muitos dos personagens não apresentavam ter consciência quanto à falta de liberdade existente em quaisquer dos andares e por consequência, muito menos desenvolviam o ímpeto de sair daquela prisão.

Diferentemente, Goreng sempre demonstrou questionamentos quanto à quela realidade e o desejo de entender o que de fato acontecida naquele local e após tanto sofrimento visto e experimentando, acabou por se rebelar definitivamente contra o sistema para poder sair e mostrar aos funcionários que controlavam opoço a barbárie existente naquele mundo, a fim de que os demais também pudessem ser auxiliados a se libertarem.

Foi permitido a todos que entraram no poço levar algo consigo, cada um escolheu aquilo que mais lhe agradava ou que poderia lhe fornecer algum tipo de auxílio nos dias em que ficariam confinados naquele lugar. Muitas dessas pessoas levaram coisas banais em que nada as auxiliavam, entre elas: armas que somente serviam para aniquilar a vida dos outros e inclusive a própria vida; e numa cena aparece uma pessoa que tinha levado grande quantidade de dinheiro,mas estava em um andar tão abaixo em que isso não lhe servia para nada, pois a comida não chegava de forma alguma naquela profundidade.

Goreng, por sua vez, opta por levar um livro Dom Quixote de La Mancha,simbolizando o valor do conhecimento e a sua importância para auxiliá-lo a encontrar explicações para as aberrações que observava naquele mundo canibalesco.

A imersão psicológica realizada pelo personagem principal em que experimentou todos os tipos de horrores, sentidos no corpo e regurgitados pela alma, em um constante embate com as figuras fantasmagóricas projetadas no seu inconsciente, em que por fim se sobressai a dimensão sábia que consistia em lhe afirmar a importância de não se utilizar a violência para esclarecer as demais pessoas que ali estavam, mas sim fazer uso do convencimento pacífico, no intuito de legitimar a sua liderança para lhes trazer no mínimo a esperança da liberdade e saciedade.

Nesse intuito, Goreng e seu companheiro Baharat, apesar dos muitos fracassos resultantes na adoção da filosofia citada no parágrafo anterior em que precisaram utilizar a violência para controlar o avanço das pessoas sobre a comida, acabam se dispondo a tentar chegar ao fundo do poço para distribuir uma fração mínima de alimentos a todos os sobreviventes de modo a demonstrar que a comida existente seria suficiente para alimentar a todos, bastando para isso racionalidade e altruísmo.

No entanto, o aspecto sábio existente na sua psique o alerta que, além disso, seria necessário levar uma mensagem destinada àquelas pessoas que estavam do lado de fora e trabalhavam para o funcionamento do sistema existente no poço.

A princípio, Goreng resolve separar um doce panacota para simbolizar algo que poderia ser extremamente valorizado pelos funcionários do sistema, mas não tinha o mesmo valor para aqueles que estavam dentro do poço, sugerindo quemes mo pelo fato de estarem todos famintos, ninguém consumiu o precioso produto e ainda o devolveram para aqueles que o adoravam.

A mensagem: a felicidade como realização pessoal é relativa e intransferível, mesmo em condições de extremas dificuldades, fato esse em que se suprime a necessidade de se oprimir o outro ou tomar o seu lugar para que alguém possa encontrar a sua própria felicidade.

Mas ao chegar ao fim do poço, Goreng depara-se com uma criança serena aparentemente com bom estado de saúde, que o observa atentamente. Ele começa a imaginar que ela deveria estar com fome e, portanto, resolve lhe dar a panacota para comer.

Esse alimento não possuía vida, mas podia manter uma vida que seria a mensagem mais poderosa a ser enviada ao mundo externo, isto é, remeter a única criança existente no poço sã e salva por alguém que conseguiu ter a clareza que para sobreviver naquele ambiente hostil todos deveriam se unir e cooperar continuamente, apesar de todos os desesperos e aflições enfrentados.

Valeu a pena todo esse sacrifício experimentado pelo personagem? Deixo por conta da imaginação dos leitores: certamente o mensageiro ficará em algum dia nessa dimensão, em razão da sua missão chegar ao fim, mas talvez a sua mensagem nunca deixe de ser transmitida, podendo realizar alguma diferença na história da humanidade, tal como muitas mensagens fizeram e ainda continuam a fazer.

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POR MÁRCIO SANTIM

ÓCIO CRIATIVO PARTE 04

DESMISTIFICANDO ÓCIO CRIATIVO PARTE 04

Por Márcio Santim

É muito comum as pessoas pensarem que o estresse e outras formas de mal-estares psicológicos decorrem apenas das relações de trabalho, não observando o nível de qualidade presente nas atividades realizadas durante o tempo livre que lhes apresenta disponível.

Vários sentimentos comuns na sociedade atual, tais como vazio interior,tédio e angústia, revelam que alguns modos de desfrutes do ócio são de fato um simulacro de prazer, isto é, uma farsa vivida com o próprio consentimento dos indivíduos.

Frequentemente, além de todas as dificuldades inerentes aos ambientes profissionais, também retornamos frustrados ao trabalho por não sentirmos um autêntico prazer no ócio, no sentido de não encontrarmos nesse momento a felicidade esperada em troca dos sacrifícios comumente exigidos pelas relações laborais.

O alcoolismo, que por sinal tem se iniciado precocemente, as drogas, as festas Raves, bailes funks e outros entretenimentos procurados pelas pessoas a fim de “saírem de si mesmas” e do mundo que as rodeia, apresentam-se como reações mórbidas diante dais mais variadas relações sociais que não têm lhes promovido níveis de qualidade devida satisfatórios.

No fundo, constitui-se como uma atitude de desespero, de fuga frente às relações opressoras, visando um encontro idealizado com algo, tal como a felicidade que não está sendo experimentada por muitas pessoas, sem os estágios alterados de consciência, provocados pela ingestão de substâncias químicas e submissão a outros tipos de vícios.

Há um sério conflito enfrentado pelos indivíduos com relação a si mesmos.De um lado, eles são pressionados pela lógica social a acreditarem que as condições necessárias para a felicidade estão contidas nos modismos relacionados a como o ócio deve ser usufruído mediante as conquistadas realizadas diante do tempo dedicado ao trabalho, que praticamente se resumem ao fato de se ganhar dinheiro.

Por outro lado, no plano emocional e inconsciente, as pessoas intuem que tal promessa não tem sido efetivamente cumprida, despertando-lhes a necessidade de fugir dessa realidade por meio de diversos comportamentos, entre eles:entorpecendo-se mediante uso de substâncias psicoativas, comprando compulsivamente os mais variados tipos de mercadorias, passando horas e horas na frente do computador, TV, celulares e outros comportamentos que afastam a realidade da consciência ou a consciência da realidade.

Esses breves momentos de felicidade logo são superados, quer pela ressaca quer pela depressão. O paradoxo é de quanto mais automáticos esses comportamentos se manifestam e a todo custo deles desejamos escapar, mais nos enroscamos nessa teia, pois esses tipos de fuga do sofrimento para a conquistada suposta felicidade não são realizados com consciência e autonomia.

Se fossem concretizados dessa forma, tenho convicção de que não haveria tantos comportamentos destrutivos, tais como aqueles encontrados nos momentos do ócio.

Falta-nos conhecimentos sobre a irracionalidade psíquica e social existente que impregna nossos comportamentos e se encontra encoberta por uma aparente racionalidade que expõe esses fatos como se fossem normais.

Diante disso, podemos considerar que o processo de formação dos indivíduos, incluídos nele todos os meios educativos envolvidos, não tem contribuído para que eles possam desfrutar com maior liberdade as horas disponíveis fora do seu ambiente de trabalho.

Precisamos ser educados para saber como usufruir positivamente o ócio. Um dos exemplos dessa carência educacional, refere-se ao fato de existirem várias pessoas que acabam desenvolvendo quadros depressivos quando se aposentam,encarando o fim da carreira profissional como se fosse literalmente o término da vida.

Para evitar esse tipo de problema, o leque de atividades realizadas pelas pessoas durante o ócio, precisa ser ampliado no momento em que elas ainda estão exercendo as suas atividades profissionais e nunca ser realizado apenas na hora das suas aposentadorias, visto demandar certo tempo para que ocorram as adaptações necessárias diante do novo modo de vida, longe dos meios profissionais.

Outro fator responsável por essas dificuldades, refere-se à grande quantidade de tempo dedicada por alguns profissionais ao trabalho, que se estende muito além dos limites legais, ocupando as suas consciências fundamentalmente com as questões que lhe são pertinentes.

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POR MÁRCIO SANTIM

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 03

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 03

Por Marcio Santim

Domenico de Masi, sociólogo italiano, na obra O Ócio Criativo, publicada no Brasil no ano 2000, trabalha com a ideia de que o mundo contemporâneo,chamado de pós-industrial, poderia se constituir plenamente como uma sociedade fundamentada em menores jornadas de trabalho e consequentemente existiriam maiores condições objetivas para o usufruto do ócio.

Para esse autor, o grande fator responsável por essas transformações sociais seria o aguçado desenvolvimento tecnológico que: 1 – reduziria o trabalho mecânico e burocrático que passaria a ser realizado exclusivamente pelas máquinas; 2 – reduziria o tempo dedicado pelas pessoas ao trabalho,diante da alta produtividade proporcionada pelos recursos tecnológicos. Porém,já se passaram vinte anos desde a publicação dessa obra e essa maior liberdade não se tem concretizado, apesar da tecnologia avançar em ritmo intenso e veloz.

Contrariamente, observamos que apesar das gradativas extinções das mais variadas ocupações profissionais decorrentes dos avanços tecnológicos, as condições objetivas envolvidas no trabalho, tais como a carga horária e a necessidade de se estar empregado para garantir a sobrevivência, praticamente não se alteraram na maior parte dos países do mundo.

Até mesmo os repugnantes trabalhos escravo e infantil continuam existindo em pleno século XXI, a despeito da riqueza material acumulada mundialmente, que poderia eliminar todas as formas de misérias ainda existentes na face da Terra. Entre elas: fome, doenças infecciosas, falta de saneamento básico, exploração econômica etc.

Mas que, diante de fatores políticos e de interesses econômicos particulares e escusos cuja essência se caracteriza pela megalomania de alguns indivíduos acionistas ou administradores de grandes monopólios, a desigualdade social solidifica-se de forma acelerada e incessante.

Até mesmo os efeitos colaterais de retração da economia provocados pela pandemia do Coronavírus, poderiam ser minimizados a nível mundial se houvesse vontade política para isso; tanto por parte dos Estados mais ricos quanto pelas empresas de grande porte, melhores sucedidas economicamente.

Obviamente que diante de um cenário como o acima citado, falar sobre ócio criativo e muito mais de políticas educacionais que promovam uma cultura que lhe seja favorável, no sentido de ensinar as pessoas a saberem usufruí-lo, pode até parecer luxo ou até mesmo utopia.

Mas é exatamente o contrário, em razão de termos condições objetivas para que o ócio possa ser uma realidade na vida das pessoas e não mero devaneio.O que falta é esclarecimento, educação e cultura para o seu desenvolvimento e valorização. Sem dúvida que a implantação dessa visão de mundo não é tão simples, pois implica numa mudança da concepção quanto às várias relações existentes nos planos macro e micro social.

Apesar da riqueza material acumulada, o desemprego não se extinguiu e existe até mesmo em países do primeiro mundo. E agora, diante da pandemia,tende a aumentar exponencialmente. O esperado aumento do tempo livre não tem se concretizado e, em termos qualitativos, o ócio tem se tornado gradativamente reflexo do trabalho.

Antes da pandemia, de certa forma, o clima geral, embora os inúmeros infortúnios sociais, era propício ao comodismo, pois havia uma racionalidade social de que o mundo estava em ordem e o progresso desmedido, sem respeito algum pela natureza e pelas pessoas, era normal.

Respirar ares poluídos, comer alimentos com agrotóxicos, observar rios sem vida, trabalhar compulsivamente até a exaustão com o consequente adoecimento, são realidades que passaram a ser vistas pelas pessoas como a mais absoluta normalidade.

O ser humano encontra sérias dificuldades para se desvincular dessascondições opressivas, principalmente porque, em muitos aspectos, elas semostram como aparência de liberdade. Como já havia dito, atualmente, o óciotende a refletir a esfera do trabalho e nesse entrelaçamento, um fica preso aooutro, apesar de se aparentarem como fenômenos distintos.

No artigo Tempo Livre que se encontra na obra Palavras e Sinais (1995),Adorno, um dos principais pensadores da primeira geração da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt fala que o ócio está acorrentado ao seu oposto, ou seja, ao tempo dedicado ao trabalho.

Como uma das principais atividades desenvolvida no ócio é a compra,muitas vezes nesse momento, o objetivo dos indivíduos acaba vinculando-se apenas ao recarregar suas energias para o trabalho que é a sua fonte de renda,o seu meio de subsistência.

Não é por acaso que frequentemente encontramos consumidores obsessivos e compulsivos por trabalho. Na atualidade, ganhar dinheiro no trabalho a fim degastá-lo no ócio, constituem-se mandamentos universais e formam um ciclo difícil de ser rompido. Ganhar mais para poder gastar mais indiscriminadamente.

Assim, o ócio fica atrelado ao trabalho e ao consumo. Tudo vira comércio, até mesmo as brincadeiras infantis que se vinculam muito aos meios eletrônicos, tais como: vídeo games e celulares. Principalmente, no caso da utilização dos celulares, a propaganda de algum produto sempre salta na tela quando estamos nos entretendo ao navegar pelos sites da rede mundial.

O ócio infantil tem se constituído como um dos principais caminhos para o estabelecimento da obesidade nas crianças. Antigamente, tínhamos vários tiposde brincadeiras, tais como esconde-esconde, pega-pega, que eram bem mais saudáveis e importantes fatores para a prevenção da obesidade infantil, tão comum na sociedade ocidental que, em vários aspectos, é modelo da sociedade norte-americana.

E não por acaso, porque são os Estados Unidos que detém o poder sobre os grandes veículos da indústria cultural, como por exemplo, o cinema, os streaming e as redes sociais.

A compulsão por compras, tão comum na atualidade, pode ilustrar bem uma característica da indústria cultural que está estruturada em apelos emocionais de diversos gêneros. Quantos produtos são comprados sem que pelos menos apessoa pergunte a si mesma sobre as suas utilidades. Roupas que são usadas apenas uma vez e depois ficam esquecidas no armário; carros que são utilizados apenas um ano e após trocados por um modelo mais novo, apenas porque houve a alteração de um detalhe nas lanternas ou no para-choque.

No entanto, o ponto crucial é que estes modos aparentes de satisfação existentes no consumismo não geram um prazer duradouro e, menos ainda, não favorecem uma realização pessoal efetiva, em razão dessas formas efêmeras de satisfação dependerem muito da aprovação dos demais indivíduos que funcionam como uma espécie de espelho para a constituição da subjetividade.

O lema passa a ser o seguinte: para ser feliz as pessoas precisam impressionar os outros, mesmo que seja por meio da exibição de futilidades que nem mesmo para elas faz algum sentido quando se permitem refletir sobre os seus comportamentos.

Sem tal aprovação ou admiração, que modelam algumas dimensões da imagem pessoal que poderíamos chamar de status, o sujeito se desmorona e a sua máscara social não resiste, derretendo-se como o gelo. É o que acontece com muitas celebridades quando, por exemplo, deixam de ser famosas e acabam sendo esquecidas pelo público.

Conceito elaborado no ano de 1940 por Adorno e Horkheimer, para diferenciar do conceito cultura de massa que correspondia a uma cultura nascida espontaneamente de algum movimento popular.

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POR MÁRCIO SANTIM

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 02

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 02

Por Marcio Santim

Existe toda uma cultura, na maior parte dos países do mundo, em que o trabalho, mesmo no século XXI, ainda arrasta consigo princípios de dominação que atingem certos patamares, a ponto de nos permitir caracterizá-lo como uma forma de escravismo contemporâneo.

Dentro dessa lógica de exploração social em que muitas vezes fica difícil identificarmos quem efetivamente é o senhor e o servo nas intricadas redes profissionais, o ócio criativo soa como algo estranho e oposto à concepção do trabalho, quando justamente seria esse tipo de atividade que nos poderia fornecer elementos preventivos contra o adoecimento emocional relacionado às praxes laborais.

No caso dos diversos problemas psicológicos existentes, é muito prático e cômodo considerar a etiologia dessas doenças exclusivamente como disfunções orgânicas desencadeadas por incapacidades pessoais diante das adaptações necessárias frente a uma realidade altamente competitiva e consequentemente individualista.

Em um mundo que, para fazer uma estimativa grotesca, diante dos profundos avanços tecnológicos, para cada novo emprego criado concomitantemente são eliminados milhares, a competição profissional assume um caráter ímpar, pois já não tem se definido como um meio para ascensão a determinados níveis na escala social, mas sim direcionada fundamentalmente para a manutenção da própria vida mediante árduas lutas para a conquista e garantia do emprego.

Para atenuar os vários distúrbios psicológicos decorrentes dessa situação e inclusive levando-se em conta outras condições estressantes existentes no cotidiano, temos uma cultura que naturaliza a utilização de medicamentos controlados (antidepressivos, ansiolíticos) para se lidar com problemas cujas origens são sociais.

Aliás, esses tipos de drogas legalizadas são as mais comercializadas pela indústria farmacêutica. Parece fácil: a receita seria tomar um desses potentes psicotrópicos, a fim de que todos os problemas fossem resolvidos. Com isso, não são questionados os fatores sociais e culturais que contribuem significativamente para o adoecimento das pessoas, tais como as relações profissionais em que metas e mais metas são constantemente estabelecidas para serem atingidas.

A saúde mental está intimamente relacionada ao nível de qualidade de vida experimentando pelas pessoas e certamente com os tipos de relações estabelecidas no trabalho. Em razão do trabalho ocupar uma grande parte do tempo disponível aos indivíduos, a qualidade da sua dinâmica constitui-se como elemento crucial para a prevenção do surgimento das mais variadas psicopatologias.

Diante das novas realidades existentes na sociedade, principalmente no que se referem ao alto desenvolvimento tecnológico, a concepção sobre o trabalho deve ser modificada radicalmente, em decorrência tanto da importância de questões subjetivas (manutenção do bem-estar psicológico) quanto de questões objetivas (evitar o crescimento dos índices de desemprego).

O conceito tradicional de trabalho tem se tornado exponencialmente obsoleto no mundo contemporâneo e precisa ser revisto nos seus aspectos teóricos e principalmente práticos. Precisamos repensá-lo globalmente de forma em que haja espaço para todos exercerem alguma função laboral e tempo para que as pessoas possam aprender a executar as novas atividades que surgem com uma velocidade supersônica no cenário atual.

No meu modo de ver, o entendimento sobre o que é o ócio criativo, a sua valorização e posterior implantação na rotina das pessoas, pode fazer toda a diferença dentro dessa nova realidade, para fins de se evitar desgastes emocionais e fazer com que o trabalho seja desenvolvido de forma prazerosa e não como meio de sacrifício, visando unicamente a garantia da sobrevivência.

O ócio criativo pode ser implantado e desenvolvido tanto dentro quanto fora dos ambientes de trabalho e primeiramente para isso há necessidade de se dispor às pessoas de uma maior parcela de tempo livre em que possam a aprender a utilizar esse espaço de tempo para aprender coisas novas de uma forma não impositiva e obrigatória.

Uma das características fundamentais existentes no ócio criativo relaciona-se ao fato desse tipo de educação proporcionar que os mais variados interesses comecem a surgir de forma espontânea nas pessoas, no sentido de se proporem a aprender e executar determinadas atividades sem imposições alheias a sua vontade.

Essas formas de comportamentos auxiliarão as pessoas a terem uma visão mais ampla do trabalho, não somente conhecendo a sua função social, mas principalmente sentindo a respectiva importância em termos coletivos. Sem dúvida, um meio que possibilite aos indivíduos o reconhecimento dos efeitos das suas atividades não somente na sua vida particular, mas igualmente em uma dimensão geral.

O ócio, diferentemente de sua concepção corrente, é um momento sério, pois nele ocorre parte significativa da formação cultural dos indivíduos. Entretenimento, trabalho e estudo são elementos indissociáveis da cultura.

Penso os conceitos de ócio e tempo livre como sinônimos. Para fins didáticos, podemos dividir a nossa vida em três momentos distintos: 1 – sono; 2 – trabalho; 3 – ócio. O tempo dedicado por cada pessoa aos referidos momentos varia significativamente. Em termos de média, o número oito seria o denominador comum desses três momentos, uma vez que a medicina afirma que oito é a média ideal de horas a serem dedicadas ao sono e a legislação registra como limite uma jornada diária de trabalho equivalente a oito horas. Restariam assim, teoricamente, oito horas para serem dedicadas ao ócio.

No entanto, sabemos que na realidade esses números não são absolutos, pois há pessoas que trabalham dez ou doze horas. Há pessoas que têm problemas de insônia e dormem três horas e assim seguem os casos específicos. Essa é a parte quantitativa referente ao tempo dedicado ao ócio que, sem dúvida, pode interferir muito na sua qualidade.

Como foi dito anteriormente, na nossa sociedade, o termo ócio adquiriu um aspecto negativo e precisamos desmistificar tal conceito. Ócio não significa apenas ficar sem fazer coisa alguma, deitado na rede, com a barriga para cima; pode ser isso também, mas certamente não se restringe a apenas esse comportamento.

Ócio é um conceito utilizado para definir aquele momento em que se realizam atividades não vinculadas ao trabalho, com exceção do sono. Como veremos em seguida, é um conceito extremamente plástico, maleável que não deve ser pensado de maneira abstrata e absoluta, isto é, deve ser analisado dentro de todo um contexto histórico, cultural e pessoal.

O momento trabalho, utilizado em termos conceituais para diferenciá-lo do ócio, está direta ou indiretamente vinculado a atividades economicamente produtivas, ou seja, uma atividade voltada fundamentalmente para a sobrevivência. Dessa forma, o trabalho doméstico não pode ser considerado ócio, pois se o marido trabalha fora e a mulher realiza os serviços domésticos ou vice-versa, o serviço realizado dentro do lar, contribui para a manutenção da família.

Assim sendo, se o casal trabalhasse fora, haveria a necessidade de se pagar alguém para realização do serviço doméstico. Tal argumento vale ainda mais se considerarmos a chamada dupla jornada em que muitas mulheres são obrigadas a enfrentar todos os dias por questões financeiras. Trabalhando fora e dentro de casa, o ócio fica seriamente comprometido.

Por outro lado, as diversas formas de trabalho voluntário realizadas pelas pessoas por caridade e prazer, sem vínculos empregatícios, podem ser consideradas como ócio criativo. Apesar de muitas vezes haver exigências quanto ao cumprimento de horários e obrigações, realiza-se o trabalho por livre e espontânea vontade.

Na próxima parte, falarei um pouco sobre o ócio criativo segundo a visão do sociólogo italiano Domênico De Masi.

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POR MÁRCIO SANTIM

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 01

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 01

Por Marcio Santim

Há algum tempo atrás, o ócio era considerado algo totalmente desvinculado do trabalho ou até mesmo o seu oposto, em razão de ser tratado como sinônimo de preguiça e de improdutividade.

Atualmente, temos algumas teorias filosóficas e práticas de gestão adotadas por algumas empresas que retratam uma visão completamente diferente com relação às posições tradicionais nos seguintes termos: o ócio criativo pode e deve ser estimulado, mediante políticas adequadas de gestão, como modo comportamental de suma importância para que o funcionário desempenhe as suas atribuições de forma mais efetiva diante da estimulação de sua criatividade, constituindo-se simultaneamente como um meio para se alcançar melhorias na qualidade de vida pessoal.

Como exemplo, podemos citar o estilo de gestão empregado pela Google que disponibiliza 30 % do tempo de serviço atribuído aos seus funcionários para atividades relacionadas ao ócio. Nesse sentido, a filosofia dessa e de outras empresas é de que o tempo investido para o usufruto do ócio reflete positivamente no desempenho profissional.

A principal razão disso é que o foco obsessivo no trabalho provoca uma sobrecarga psíquica no indivíduo, não lhe permitindo o relaxamento necessário para que a sua consciência possa assimilar melhor ideias ou encontrar vias alternativas para a solução de diversos problemas enfrentados pelas organizações.

Um dos resultados nesse foco desmedido nas atividades profissionais que faz a vida pessoal ficar totalmente submetida aos ditames do trabalho, está no aparecimento de diversos tipos de problemas psicológicos, entre eles: transtornos depressivos e de ansiedade em que ainda nesses casos há forte probabilidade para se des dobrarem na Síndrome de Burnout.

Grosso modo, o conceito dessa síndrome foi elaborado na década de 1980 pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger para caracterizar um estado de esgotamento físico e mental experimentando por diversos trabalhadores em razão da constante pressão a que eram expostos nas relações de trabalho; inclusive, muitas vezes estimulada por diversas formas de assédio moral presentes nos ambientes profissionais em que pairavam sobre a cabeça dos subordinados constantes ameaças de demissão ou outros tipos de repreensões, caso determinadas metas produtivas não fossem atingidas.

Atualmente, fala-se muito a respeito do tema e se faz bem pouco para melhorar efetivamente as condições envolvidas no ambiente de trabalho e que são, sem sombra de dúvida, uma das principais causas de adoecimento psíquico.

A princípio, o estresse não deve ser considerado doença, mas sim uma condição psicológica e fisiológica que se mantiver constante, a ponto de se tornar crônica, poderá desencadear diversos tipos de problemas psicossomáticos nas pessoas.

Enquanto o estresse funcionar como sinal de alerta diante de determinadas ameaças que podem ser tanto de ordem física quanto psíquica, tal estado possui uma função positiva na vida dos indivíduos por apontar que algo não está indo bem e, portanto, de alguma forma precisa ser evitado ou resolvido, a fim de se precaver contra o aparecimento de infortúnios mais graves futuramente.

Na realidade, o elemento desafiador para o êxito das ciências sociais e biológicas, relaciona-se ao fato de que a maioria dos trabalhadores tem pouco domínio sobre as condições estressantes presentes no seu ambiente de trabalho e ficam à mercê de uma hierarquia de comandos em que, muitas vezes, nem sequer é possível identificar a sua origem, isto é, a cadeia de comando é tão grande que extravasa determinados ambientes de trabalho, perpassando pelas dimensões micro e macro social.

Há uma constante pressão nos diversos tipos de ambientes de trabalho onde todos se sentem coagidos, independentemente do nível hierárquico ocupado. Quanto às condições que causam estresse no trabalho, já estamos cansados de ouvir e não haveria muito a acrescentar a título de informação, porém temos muitas coisas a serem mudadas efetivamente para auxiliar em uma melhora significativa no nível de qualidade de vida apresentado pelas pessoas.

No próximo artigo, citaremos alguns desses elementos.

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POR MÁRCIO SANTIM

PRÉVIA LANÇAMENTO LIVRO “TELAS SOMBRIAS”

Por Márcio Santim

Uma análise psicosocial da séria Black Mirror

‍Sem dúvida que a maioria das pessoas em algum momento da atualidade chegou a ouvir alguém mencionar a expressão “isso é muito black mirror!”

Mas qual seria efetivamente o seus ignificado? A princípio, penso que a ideia transmitida remeta a alguns elementos bizarros trabalhados por essa série britânica de grande sucesso mundial, que apesar de se constituir como ficção ,assemelha-se bastante a diversas situações existentes na vida real, mais especificamente quanto àquelas relacionadas ao uso indiscriminado de aparelhos eletrônicos e aplicativos computacionais por parte do grande público.

O livro Telas Sombrias trará uma análise completa da série Black Mirror no que diz respeito aos seus aspectos psicossociais presentes no nosso cotidiano. Alguns, entre muitos, dos temas trabalhados são os seguintes: inteligência artificial, redes sociais, intimidade, racismo, meritocracia, ideologia de gênero, vícios eletrônicos etc.

Aguardem!

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POR MÁRCIO SANTIM

FILME 100 METROS!

100 METROS!

Por Márcio Santim

Esse filme baseado em fatos reais traz alguns importantes elementos para o analisarmos quanto aos seus aspectos motivacionais em que a vontade de superação pessoal prevalece sobre os limites impostos por acontecimentos negativos sucedidos durante a vida.

100 metros é uma produção cinematográfica luso-espanhola de grande sucesso mundial dirigida por Marcel Barrena cuja estreia ocorreu na Espanha em 2016 e traz a história verídica enfrentada pelo publicitário Ramón Arroyo que aos 35 anos de idade recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla.

O ator Dani Rovira interpreta Ramón que como tantas outras pessoas na atualidade possuía enorme obsessão pelo trabalho, altos níveis de estresse, e hábitos sedentários enraizados em seu cotidiano.

Ramón começa a notar em si algumas alterações motoras envolvidas na execução de simples atos, tais como segurar um garfo ou amarrar um tênis. A partir disso, submete-se a diversos exames médicos para detectar as razões dessas anomalias que lhe começam a causar preocupações.

O diagnóstico não tarda a ser estabelecido e para sua indignação, tratava-se de uma séria doença neurológica degenerativa para a qual não havia cura, mas sim apenas alguns tratamentos paliativos destinados para retardar a sua evolução.

Imediatamente, Ramón começa a realizar as terapias indicadas ao caso, mas a sua médica o alerta sobre a gravidade da doença e que seus exames apontavam para a possibilidade de ocorrer sintomas ainda mais sérios do que os apresentados por ele naquele momento.

Durante a terapia em grupo, um dos pacientes, revoltado com a sua doença, diz para Ramon que o seu futuro seria marcado pela utilização de cadeira de rodas e que em breve ele nem sequer conseguiria caminhar a distância de 100metros.

Esse cenário nem um pouco animador delineado pelo seu companheiro de terapia permaneceu martelando na cabeça de Ramon, convertendo a caminhada dessa distância no seu primeiro obstáculo a ser superado, a despeito de todas as limitações motoras apresentadas.

Com o apoio da sua esposa e de seu sogro, Ramón, além de começar a fazer os tratamentos convencionais, resolve de maneira obstinada a se preparar para enfrentar um enorme desafio: participar e concluir o Ironman, uma prova de extrema resistência física e mental que consiste em nadar 3,8 km; pedalar 180 km e correr 42 km.

Após vários desentendimentos tidos com o seu sogro que era professor de educação física, eles acabam se conciliando e estabelecendo uma espécie de pacto de confiança, relacionado ao fato de que a persistência por parte de Ramón em realizar seus treinamentos, apesar da sua grave condição clínica, seria fundamental para que ele alcançasse o seu objetivo de terminar essa dificílima prova.

Sem dúvida que um dos fatores que motivou Ramón a executar tal empreendimento foi enfrentar a alarmante perspectiva de num futuro bem próximo permanecerem cadeira de rodas e não chegar sequer conseguir caminhar a distância de 100metros.

É interessante observarmos como as reações das pessoas perante prognósticos trágicos podem se apresentar de formas completamente distintas.

Seria até de se esperar que para a maioria dos indivíduos, um parecer médico extremamente negativo como esse se equivalesse a uma sentença de morte, provocando neles quadros depressivos em que a estagnação ou o desespero certamente apareceriam como consequências emocionais negativas.

Porém, há pessoas, tal como foi o caso de Ramón, que conseguem lidar comesse problema de modo completamente diferente, fazendo com que situações como essas se tornem o estopim para uma revolução pessoal, no sentido de tudo ser possível mediante vontade, dedicação e perseverança; até mesmo enfrentar os limites estabelecidos pela ciência, a debilidade física e a descrença das pessoas que estão a sua volta.

Na realidade, temos mínimas ideias sobre os patamares que a nossa consciência e, por decorrência, nossos comportamentos podem nos levar. Até onde a mente pode despertar os processos de cura inerentes ao nosso organismo biológico, seja por meio da fé, da automotivação, da força de vontade e de outros impulsos psíquicos.

Do ponto de vista psicológico, um elemento essencial a ser citado diz respeito ao fato dessas pessoas conseguirem mudar totalmente o foco da sua atenção. Em vez delas ficarem pensando apenas sobre a doença que as acometem, as suas visões se expandem e centralizam-se naquilo que desejam realizar naquele momento, olvidando-se inclusive de supostos empecilhos que amiúde emergem diante de seus caminhos.

Após essa etapa, apresenta-se como indispensável traçar todo o planejamento necessário para que os seus objetivos possam ser perseguidos e alcançados. E para isso, é muito importante o apoio do meio que está ao redor do paciente, tal como no caso do filme em que a atuação do sogro de Ramón foi essencial para o seu êxito pessoal.

Muitas vezes, infelizmente, ocorre o contrário nesses tipos de situações, pois as pessoas mais próximas apresentam comportamentos que expressam exclusivamente sentimentos de compadecimento, que podem ser tomados por aqueles que estão enfrentando algum tipo de doença como se fossem a legitimação da sua incapacidade para desenvolver determinadas atividades consideradas normais pela sociedade.

Em outras palavras, além de enfrentarem as limitações decorrentes de certos acometimentos patológicos, os enfermos ainda têm que superar os diversos tipos de barreiras sociais que se impõem constantemente frente às suas metas de superação.

No entanto, se essas pessoas permanecerem apenas no plano do desejo e do planejamento, as possibilidades de se frustrarem se tornam iminentes. Assim, é necessário ir além, dar o passo decisivo para se atingir os seus objetivos que é a práxis (ação); executar aquilo que foi ardentemente desejado e minuciosamente planejado.

É importante mencionar que para a ação se tornar possível também será imprescindível continuar quebrando as várias barreiras e estigmas sociais existentes. A luta é contínua, com batalhas sendo vencidas de forma árdua e gradativa.

Frequentemente também ocorrem imprevistos e infortúnios que fazem com que haja necessidade de novos e contínuos replanejamentos por parte de todos os envolvidos no empreendimento, inclusive dispondo-se ao árduo trabalho de recomeçar tudo a partir do início da caminhada.

O perfil psicológico desses indivíduos tem mostrado que diante de cada nova dificuldade surgida, a motivação e o desejo de superação aumentam exponencialmente, existindo pouco espaço para sentimentos de desânimo e frustração.

Mas gostaria de salientar que de modo geral apenas consideramos e valorizamos o resultado final da missão. No caso do filme que não deixa de ser uma realidade representada, o clímax está no fato do telespectador ver Ramón cruzar a linha de chegada e conquistar o seu objetivo.

E no cotidiano, na maior parte das situações, também temos fortes tendências para apenas olharmos e valorizarmos a conquista. Quase nunca focamos nossa atenção para os processos, os investimentos e sacrifícios inerentes para que alguém conseguisse atingir algum objetivo ou concretizar determinado sonho.

Além disso, praticamente passa despercebido o início de qualquer jornada, ou seja, o momento em que determinada pessoa se propõe a percorrer os seus primeiros 100 metros, que a princípio pode até parecer irrisório, mas pergunto ao leitor sobre quantas vezes deixamos de iniciar uma jornada em razão do comodismo de não nos dispormos a mudar rotinas, formas de pensar e de experimentara vida.

Sim é preciso muita coragem e determinação para dar os primeiros passos. Talvez, em um primeiro momento, até mesmo o planejamento possa ser abolido, mas de forma alguma podem ser dispensados o desejo e o ímpeto que se desdobram na iniciativa comportamental.

Ao observar demais as etapas e tentar antecipar todos os processos envolvidos para se atingir os objetivos estabelecidos, há grande possibilidade de as pessoas desanimarem antes de começarem a busca pelos seus sonhos, permanecendo imóveis na linha de largada.

Tudo deve ser realizado de forma gradual e em razão das variáveis envolvidas não serem estáticas, o planejamento deve estar presente não apenas nos 100 metros iniciais, mas ao longo de toda a jornada. Para que qualquer planejamento seja bem-sucedido devem haver constantes reavaliações, consequentes replanejamentos e a disposição para recomeçar quando necessário.

A ansiedade para se atingir o mais cedo possível determinadas metas estabelecidas somente atrapalha as pessoas, fazendo com que abandonem precocemente a prova que se dispuseram a participar.

Nesse sentido, é muito comum o suposto fracasso ocorrer logo no início da prova; seja por se largar rápido demais no afã de chegar imediatamente ao destino, queimando a largada; seja por nem sequer conseguir largar em razão de se ter gasta toda a energia emocional disponível, antecipando demasiadamente os hipotéticos percalços a serem encontrados pelo caminho.

Por conta disso, o título desse filme demonstra a sua grande pertinência, pois na realidade o elemento decisivo que impulsionou Ramon a se superar para obter a sua grande vitória pessoal, não foi inicialmente a conclusão de uma prova de Ironman, mas o seu ímpeto e mérito em enfrentar uma limitação aparentemente simples: percorrer os simbólicos 100 metros e depois disso, porque não? Um “pouquinho” mais…

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POR MÁRCIO SANTIM