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O DIVINO BAGGIO

O DIVINO BAGGIO

Por: Marcio Santim

Começando os artigos deste ano com um pouco de nostalgia, principalmente direcionada àqueles que se lembram do tetra – campeonato mundial conquistado pela seleção brasileira em 1994 com a vitória sobre a Itália na decisão por pênaltis num jogo difícil e muito amarrado.

A aludida partida realizada debaixo de um calor escaldante na cidade de Pasadena (EUA) que não teve tantas emoções em seu decurso, ficou marcada por uma cena decepcionante para os italianos, relacionada ao pênalti cobrado para fora do gol por conta do principal craque da azurra: Roberto Baggio.

Mas dificilmente as pessoas imaginam o que está por detrás da mente desses jogadores famosos: medos, angústias, desejos e frustrações. A concepção que o público possui com relação a quaisquer tipos de celebridades é de que elas se constituem como seres supra-humanos, dotados de características que extrapolam substancialmente a realidade dos indivíduos comuns cuja vida se desenrola no universo dominado pelo anonimato. 

Nesse sentido, os ídolos se configuram como uma espécie de semideuses e a sua imagem se descola da sua personalidade real. Mas esse processo de distanciamento não é realizado exclusivamente mediante uma percepção delirante do público, pois antes disso há o que podemos chamar de produção midiática das celebridades em que o seu próprio contexto de atuação provoca a exaltação da sua figura. 

Em outras palavras: o futebol, a música, o cinema são áreas recobertas por altas doses de glamour em que quando determinada pessoa consegue se destacar dentro desses espaços é como que se ela fosse transportada para um outro mundo, muitas vezes imageticamente tão diferente do habitual, aproximando-se de uma dimensão que poderíamos considerar mitológica.

Porém, os ídolos nunca se esquecem completamente da sua natureza humana em razão de possuírem limitações similares àquelas pertencentes ao público que os veneram e acredita piamente no fato de que tanto pelo dinheiro quanto pela fama que os acompanham estão livres de todos esses tipos de mazelas que afligem esses ávidos telespectadores.

O documentário italiano “O divino Baggio” produzido em maio de 2021 dirigido por Letizia Lamartire traz à tona algumas dessas questões ao narrar a história de vida do jogador Roberto Baggio e alguns dramas por ele enfrentados durante a sua conturbada carreira profissional, entre eles: as drásticas consequências pessoais relacionadas ao pênalti desperdiçado na decisão com o Brasil que selou a perda da copa de 1994 pela seleção italiana.

Em termos psicológicos, o ponto crucial que merece ser destacado com relação à história do atleta apresentada no documentário, refere-se a sua obsessão em jogar a copa de mundo e conquistá-la para o seu país, preferencialmente diante de uma hipotética final contra a seleção brasileira.

Na realidade, ele gostaria de cumprir a todo custo uma suposta promessa que havia feita para o seu pai quando ainda tinha três anos de idade no momento em que ocorreu a derrota da Itália para o Brasil na copa de 1970.

Logicamente em face a sua tenra idade, Baggio não conseguia se lembrar dessa promessa em que somente veio tomar consciência anos depois por meio da narrativa efetuada pelo seu pai. Em razão dele ter se tornado um jogador promissor no futebol italiano e posteriormente mundial, a referida promessa não lhe parecia impossível de cumprir e tal perspectiva será a sua grande motivação durante a sua carreira profissional. 

Por outro lado, ao verificar precocemente a habilidade que o pequeno garoto dispunha para o futebol e que o levou a se profissionalizar bem cedo nesse esporte, acendeu de forma incandescente no seu genitor a esperança de um dia poder ver o seu desejo realizado por meio de uma atuação épica de Baggio que resultasse no resgate do brilho vitorioso perdido pela sua amada seleção.    

Porém, apesar de ter faltado pouco, as coisas não se sucederam exatamente como havia sonhado a família italiana e esse fato gerou nela ainda outras frustrações bem como a extração de mais lenha a fim de manter viva a sonhada vitória.

Esse fato é muito comum acontecer no interior de várias famílias, pois os pais costumam com certa frequência depositarem nos seus filhos uma grande carga emocional envolvida em diversos tipos de expectativas existenciais pelas quais os primeiros não conseguiram concretizar nas suas vidas pessoais em razão dos mais variados motivos.

Para compensar grande parte das frustrações experimentadas ao longo da vida, alguns pais anseiam que os seus filhos portadores de seu zelado sobrenome e da sua herança genética, realizem por eles os sonhos relativos àqueles que não conseguiram por si mesmos transformarem em realidade. E ainda, preferencialmente, esperam estar vivos para poderem presenciar e se regozijarem com as façanhas executadas pelos seus descendentes.

De forma semelhante ao exposto no documentário, esse tipo de pressão por parte dos pais sobre os filhos, por via de regra, inicia-se precocemente na infância, no momento em que a personalidade da criança ainda está em processo de formação. 

Não podemos deixar de mencionar que no fundo se trata da existência de sentimentos egoístas de ímpeto narcísico impulsionando esses tipos de atitudes tomadas pelos genitores que por se apresentarem disfarçados com a máscara de se “querer o melhor para a prole”, dificulta-se que eles tomem consciência quanto às verdadeiras motivações envolvidas nessas formas de comportamento. 

Ao focar excessivamente nas suas próprias expectativas em que na maioria das vezes são valorizadas socialmente de maneira acrítica, os pais acabam se esquecendo de observar as peculiaridades subjetivas apresentadas pelos seus filhos e assim restringem suas liberdades de escolha.

Por outro lado, não são todas as crianças que possuem passividade suficiente para aceitar tudo o que lhes é imposto pelos pais durante a vida. Há algumas consideradas rebeldes que mesmo possuindo todas as condições necessárias tanto de ordem objetiva quanto subjetiva para realizarem determinados desejos dos pais – frequentemente profissionais – não aceitam em razão de não quererem ser submissas a eles.

Outras crianças com personalidades distintas que anseiam por receber a aprovação e admiração dos pais, certamente apresentam comportamentos contrários aos descritos no parágrafo anterior no sentido de tentarem corresponder ao máximo com as suas expectativas, tal como foi no contexto da história apresentado pelo documentário em que o jogador deseja a todo custo vencer a copa para satisfazer a si, conquistando o reconhecimento do seu pai quanto à excelência da sua competência futebolística.

Uma lição importante que a clínica psicológica nos tem ensinado é que esses dois extremos de comportamentos relativos à extrema rebeldia ou incondicional submissão, sempre acarretam algum tipo de sofrimento psíquico. Esse mal-estar pode se manifestar de forma imediata na própria infância ou surgir posteriormente tanto na adolescência quanto na fase adulta. 

O importante é que sejam dadas as devidas condições educacionais para que as pessoas aprendam a reconhecer e discriminar os seus desejos. Certamente que se tratam de questões complexas que não contam com a existência de receitas simples para serem aplicadas na sua resolução.

O fundamento está na seguinte hipótese: assim como ninguém poderia realizar o meu desejo eu também não poderia satisfazer o desejo de ninguém por ser algo cuja essência é intransferível. Penso esse conceito de desejo numa dimensão mais profunda, exclusivamente subjetiva que se aproximaria de uma definição psicanalítica e em face da sua complexidade, não entrarei no mérito.

Sem dúvida que em alguma medida precisamos do outro para satisfazer determinados desejos, caso contrário não teríamos necessidade de viver em sociedade e formar núcleos familiares, mas nesse campo temos que aprender a respeitar os limites e não extrapola-los a ponto de invadir o espaço subjetivo alheio ou deixarmos que o nosso seja indevidamente ocupado por aquilo que não nos pertence. 

Precisamos pensar essa dimensão do desejo como algo que possa ser compartilhado espontaneamente, sem a atuação de princípios que envolvem relações de dominação que subjuguem os outros ou anulem a nós mesmos.

Alguns dos ensinamentos budistas, religião pela qual o jogador se tornou adepto no início da sua carreira, auxiliaram-no bastante ao longo da sua trajetória a superar as sérias lesões que o afligiram e chegaram até mesmo levá-lo a pensar em abandonar o futebol precocemente.

No entanto, demorou para que ele compreendesse alguns elementos fundamentais que estavam lhe causando sofrimentos, principalmente após o término da copa de 1994: o tão sonhado título mundial que era o seu objetivo na vida perpassava muito mais pelo desejo do outro (pai)  com o qual ele havia se identificado mediante a suposta promessa feita a ele na infância cuja execução foi a sua motivação durante boa parte da vida profissional.

Como o foco do atleta estava nessa conquista específica, ele não conseguia enxergar as outras tantas vitórias obtidas na sua carreira e o quanto era admirado pelos seus compatriotas e, por que não, até mesmo pelo seu próprio pai que custou muito a lhe expressar o seu reconhecimento.

E para a ocorrência dessa mudança de visão interior também foi essencial focar em um dos princípios do budismo que já havia sido lhe transmitido no começo da sua iniciação, mas que, às vezes, somente com o amadurecimento emocional é possível o seu entendimento:  o que importa efetivamente é a jornada, pois os verdadeiros objetivos são descobertos ao longo do caminho.

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POR MÁRCIO SANTIM

NÃO OLHE PARA CIMA

NÃO OLHE PARA CIMA

Por: Marcio Santim

Um filme classificado como comédia, mas que tem o potencial de nos trazer importantes reflexões sobre algumas conturbadas situações existentes na atualidade.

Com esse comentário síntese sobre o filme “Não Olhe para Cima” de Adam Mckay, lançado em 2021 nos EUA, convido o leitor a pensarmos sobre algumas questões por ele suscitadas que nos levam, sem muitos esforços, a nos identificarmos com determinados comportamentos que têm exercido grande impacto na vida das pessoas.

A metáfora utilizada pelo filme para expor tais tipos de questões diz respeito a descoberta por dois astrônomos anônimos de um cometa com grandes proporções e potencial de destruição, que se encontra em rota de colisão com a Terra num curto espaço de tempo equivalente a seis meses.

No entanto, o foco da mensagem transmitida pela produção não se refere à proximidade dessa calamidade em que se não forem envidados esforços com a maior urgência possível aniquilará a vida em todo o planeta, mas sim na forma como as pessoas pertencentes a diferentes extratos sociais reagem a esse tipo de informação estarrecedora.

Podemos fazer analogias com diferentes aspectos presentes no mundo atual, mas no meu modo de ver e até mesmo pelo histórico ativista do protagonista Leonardo Di Caprio, o principal alvo dessa película cinematográfica está na crítica sobre como a crise ambiental instalada no planeta tem sido administrada tanto pelas autoridades quanto pela própria sociedade.

Apesar de algumas controvérsias científicas a respeito do tema, eu particularmente compartilho da ideia quanto à existência dos efeitos nocivos relativos ao contínuo processo de destruição da natureza e penso que as ações pertinentes para atenua-los já deveriam ter seu início de planejamento e execução a um bom tempo atrás.

Porém, se considerarmos algumas das tecnologias que dispomos nos dias atuais e desde que sejam empregadas com racionalidade, moral e ética, certamente ainda será possível a médio e longo prazo mitigar ou até mesmo afastar totalmente essa crise.

Com relação a esse ponto, o filme já apresenta no seu início, talvez aquele que seja o maior empecilho para salvação do planeta e de seus habitantes: interesses políticos escusos que na grande maioria das vezes aparecem atrelados e colocados a serviço de objetivos privados, voltados unicamente para sustentar a ordem econômica vigente.

Nessa ficção, as ações prioritárias a serem tomadas pela presidente dos EUA e que provavelmente também seriam semelhantes com relação a qualquer chefe de outro Estado, não se fundamentam no fato de se criar meios para evitar a ocorrência da catástrofe, mas sim em tentar extrair o máximo proveito desse tipo de situação, seja em termos de favorecimento da imagem política ou de ganhos financeiros.

Como podemos observar no desenrolar da história, os comportamentos dos dirigentes políticos variam conforme os seus contextos de atuação vão se modificando em decorrência das diversas contingências que se apresentam. Num primeiro momento, quando não é conveniente para as autoridades políticas reconhecer a gravidade da iminente tragédia, sucede-se por parte delas uma negação diante da proximidade do colapso comprovado pelos astrônomos.

Posteriormente, no momento em que a mídia começa a divulgar massivamente um escândalo sexual relativo à figura do candidato à presidência representante do mesmo partido em que a atual presidente pertencia, esse tipo de conduta negacionista se modifica drasticamente.

A estratégia utilizada pelo partido, incansavelmente vista no mundo real, foi desviar a atenção do público para uma outra questão só que agora bem mais relevante quando comparada aos interesses das pessoas pelos detalhes referentes à vida privada do político, a saber: o contundente reconhecimento da gravidade da situação por que todas as pessoas estavam prestes a atravessar e certamente sucumbirem caso nenhuma atitude fosse tomada.

Apropriando-se da mídia como a sua principal aliada, o núcleo político passa a utilizar-se de todos os recursos disponíveis a ela para disparar o pânico na população, acompanhados de uma receita teoricamente infalível para a resolução do problema, temperada com grandes porções de heroísmo e patriotismo, exaltando a imagem do atual governo como o salvador da pátria.

Por ser um reconhecimento oficial, o governo consegue convencer a massa quanto à iminência da calamidade e com isso resgatar a sua popularidade. E desde que a estratégia elaborada para salvar a Terra obtivesse êxito, o seu partido representante estaria consolidado novamente no Poder mediante a legitimação pública sendo que, por sua vez, o escândalo sexual haveria caído completamente no esquecimento das pessoas.

Pelo lado psicológico, o mais importante a frisar é o quanto essa ânsia pelo poder transvestida de racionalidade no sentido de estar sedimentada em formas de comportamentos normatizados socialmente cujas bases são os imperativos econômicos, está imersa na irracionalidade em razão de toda auto destrutividade por ela gerada.

O egoísmo exacerbado em que as pessoas não reconhecem as demais como seres humanos semelhantes a si e contrariamente as convertem como objetos para a satisfação de desejos pessoais mesquinhos, enfraquece os indivíduos como seres potenciais de transformação social, pois a história mostrou que os avanços em todos os setores da vida, bem mais que os retrocessos, somente foram possíveis mediante engajamentos e atuações coletivas.

Então, quando alguém tenta de alguma maneira anular as outras pessoas tanto em termos objetivos quanto subjetivos, há significativa possibilidade desse sujeito ser prejudicado posteriormente porque em um mar turbulento como é a vida, seria uma ilusão acreditar na possibilidade de remar sozinho dentro de um barco cujo motor em algum momento poderá falhar durante a travessia.

Tal como mostrado no filme, essas formas de individualismos contumazes resultam em contínuos movimentos de exclusão social onde somente aquelas pessoas integrantes de determinados extratos sociais ou círculos restritos possuem o direito à vida, apesar de todos habitarem no mesmo planeta e estarem sob o mesmo sol.

Em decorrência desse egoísmo pela qual a formação psicológica dos indivíduos foi estrutura dentro desta sociedade, a relação estabelecida com os outros integrantes desses círculos na maioria das vezes se caracteriza como conveniência, ou seja, a partir do momento em que alguém não apresenta utilidade ou não preenche mais os requisitos necessários para se manter em certo grupo, esse sujeito imediatamente é excluído do seu núcleo, sem remorso algum por parte dos outros participantes.

O ponto fundamental colocado no filme é que mesmo diante da iminência de uma catástrofe devastadora não se ocasiona uma maior integração da humanidade para atuar na resolução do problema.

Desta forma, podemos comparar esse conteúdo presente na ficção com muitas das condutas adotadas no combate à pandemia em que, por exemplo, enquanto alguns países já estão fazendo uso da quarta dose da vacina, outros nem sequer tomaram a primeira dose.

Levando-se em conta um dos posicionamentos majoritários da ciência frente à Covid-19, diferentemente de uma epidemia, como esse vírus não se encontra fixado a determinado local, a sua circulação descontrolada pelo globo pode acarretar no surgimento de novas variantes e com isso postergar a atenuação das suas manifestações patológicas.

Assim sendo, mais uma vez percebemos o quanto a ficção se aproxima e se confunde com a realidade, independentemente dos elementos manifestos pela primeira, que muitas vezes podem destoar das nossas experiências cotidianas.

De um lado, temos o público desesperado, passivo e fragmentado esperando que toda a solução do imbróglio seja milagrosamente dada pelas autoridades competentes.

Por outro lado, temos essas mesmas autoridades associadas com empresários gananciosos e psicopatas, ávidos em extrair o maior proveito particular de nefastas situações coletivas e ainda com as suas retóricas embusteiras tentam convencer as pessoas de que as suas ações visam exclusivamente o bem comum.

No entanto, o que essa casta de poderosos não percebe é o fato de subestimarem os riscos envolvidos nas suas próprias vidas no momento em que negligenciam a gravidade de determinadas situações e elaboram estratégias de ação que apenas passam a falsa impressão de estarem atuando efetivamente na resolução do problema.

E é nesse sentido que menciono a existência da irracionalidade em razão dessas pessoas somente terem olhos para o presente, não conseguindo enxergar sequer um centímetro do trágico futuro que inclusive pode atingir a si ou aos seus descendentes.

Diante das escolhas que a vida nos permite fazer, é importante termos serenidade e sabedoria suficiente para na medida do possível optar por aquilo que a dignifique e não a danifique, pois como essencialmente fazemos parte dela, a sua destruição corresponde ao nosso próprio aniquilamento.

Contrariamente ao título do filme, somente olhando para cima, no sentido de procurarmos obter uma visão mais ampla sobre as coisas, é que poderemos ter uma expansão da consciência suficiente para melhor entender a vida consequentemente respeitá-la.

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IN HOC SIGNO VINCES

IN HOC SIGNO VINCES

Por: Antonio Pessotti

A Vitória sobre todos os males que assolam a Humanidade, sobre todos os inimigos que destroem o ser humano, sempre foi desejada em todas as culturas. Na cultura ocidental, preponderantemente cristã, tem-se na frase usada por Constantino o referencial. O imperador romano, como narrativa lendária, adotou em certo momento o lema “ἐν τούτῳ νίκα”, em bom português, com este sinal vencerás. O historiador Eusébio de Cesareia narra essa lenda e a adoção desse símbolo em seu lábaro, ao dizer que Constantino I viu certa vez em um pôr do sol as letras gregas chi (X) e rho (P) sobrepostas, letras iniciais do nome de Cristo em grego, pouco antes da batalha da ponte Milvia contra Magêncio, em 28 de outubro de 312. Outros monarcas a usaram posteriormente, como Afonso I de Portugal de acordo com Camões em Os Lusíadas, João III Sobieski da Polônia (séc. XVII), e a dinastia irlandesa dos O’Donnell de Tyrconnell (séc. V até o XVIII) que se julgavam descendentes do Império Bizantino, entre tantos outros. Certo é que os mitos anteriores já embasavam essa adoção simbólica de poder…

Nice, ou Nike, é o nome da deusa grega alada, dona de uma velocidade impressionante, e denominada pelos romanos como Victoria, daí a sua versão e significado em português. Filha de Palas e Estige, ela esteve sempre junto a Atena, garantindo assim a vitória em todas as batalhas que a filha de Zeus travou. Quando Zeus travou batalha contra os Titãs, Estige e seus filhos Nice, Bia, Cratos, e Zelo, foram seus aliados. Bia era a força dos guerreiros, Cratos era o poder, Nice a vitória, porém, se alguém tinha que ser vencedor, teria que superar o ciúme, Zelo, que sempre ronda aquele que tem sucesso.

Não cabe comentar aqui marcas e grifes, tirem suas próprias conclusões…

No entanto, na Escultura e Arquitetura, temos o período Vitoriano com seus floreios; e na Música? As árias de bravura marcam o caráter heroico do personagem nessas difíceis peças, exigindo não só preparo dos intérpretes, mas, coragem para realizá-las com a devida performance. Entre tantas, pode-se citar as árias de Cublai, gran Khan dei Tartari de Salieri, a famosa Der Hölle Rache de Mozart, várias árias da Cenerentola de Rossini, entre tantas.

Enfim, é preciso coragem e habilidade para se fazer escultura com o capricho vitoriano, para se cantar e tocar árias de bravura, da mesma forma que conduzir um carro, ou outro conjunto maior de pessoas.

Habilidade, coragem, preparo: são virtudes a serem treinadas, bem distintas dos vícios que nos fazem cair em arrego, sem permitir qualquer tipo de “combinado”, de acordo, de arreglo. Ou fazemos, ou melhor apenas sonhar com os louros de Nice, permitindo apenas que o ciúme nos derrote.

Triste fim de Policarpo Quaresma…

Antonio Pessotti é músico, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), pesquisador colaborador do Laboratório de Fonética e Psicolinguística (IEL – Unicamp) e professor de Canto e História da Música na Escola de Música Maestro Ernst Mahle (EMPEM).

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POR MÁRCIO SANTIM

MÍDIA, CIÊNCIA E COVID-19

MÍDIA, CIÊNCIA E COVID-19

Por: Márcio Santim

“Mantenham as pessoas obesas; mantenham-nas distraídas e mantenham-nas entretidas, com truques, choques e besteiras. Isso infelizmente é o tipo de coisa que tem ocupado o lugar das notícias e da informação. Então o que vemos hoje é um mundo no qual a percepção está sendo controlada por no máximo cinco grandes corporações midiáticas que controlam coletivamente: revistas, jornais, empresas de notícias, sítios na internet, emissoras de TV, filmes, documentários.”

Esse preocupante trecho (a partir de 1h:20min40seg) foi extraído do documentário Sirius produzido em 2013, baseado no livro Hidden Truth, Forbidden Knowledge, escrito pelo médico e ufólogo norte-americano Steven Greer, com direção de Amardeep Kalkaem.

O referido documentário apresenta depoimentos de ex-funcionários do governo e militares norte-americanos, focado basicamente no encobrimento a nível mundial existente sobre várias questões que seriam cruciais ao interesse público, tais como: fenômeno Ovni; tecnologias não poluentes com baixo custo e de fácil acesso para todas as pessoas; energia antigravitacional etc.

Quanto às citações inseridas no início do artigo, que por sinal nos dias atuais, nem tanto parecem remeter a teorias da conspiração, tenho praticamente certeza de que ninguém irá discordar delas, tanto é que tal tipo de situação tem se tornado cada vez mais comum no universo midiático, a ponto de seus dirigentes nem se esforçarem para disfarçar esses tipos de conduta.

Além desses elementos citados no documentário dos quais os meios jornalísticos têm se ocupado bastante em implementar, acrescento um outro que me parece bastante atual, principalmente por conta da pandemia, mas certamente também existia antes, que é a implantação do medo e do desespero coletivos em determinadas ocasiões.

Poderia citar outros fatos para ilustrar vários tipos de omissões e manipulações realizados por essas grandes corporações responsáveis pela produção e transmissão de informações, porém, para não me estender demais vou me deter na discussão sobre a pandemia em razão da atualidade e da prioridade desse assunto no nosso cotidiano.

Antes de qualquer crítica que possa ser a mim direcionada, não quero em momento algum menosprezar a gravidade da Covid-19 nem a seriedade da sua repercussão a nível econômico, social e psicológico.

Contrariamente, tenho plena convicção de que se trata de uma questão gravíssima, principalmente quando pensamos em pessoas que nunca conviveram com situações caracterizadas por sensações de morte iminente, tais como aquelas experimentadas por famílias estabelecidas em campos de refugiados ao fugir de governos opressores ou por diversos moradores de favelas, que convivem diariamente com as mazelas resultantes do narcotráfico cujas regras de funcionamento escapam ao controle estatal.

A princípio, parece-me que um dos principais objetivos da mídia, tem sido o de convencer as pessoas, por meio da imposição do medo, de que a única saída para essa catástrofe sanitária seria a aplicação da vacina.

É certo também que as outras atividades preventivas, tais como a utilização de máscara e a higienização com álcool gel também são bastante divulgadas por esses meios, a fim de serem complementadas com a vacina e assim dar uma maior tranquilidade ao público diante da pandemia.

E nesse momento, não se pode negar a eficácia das vacinas quanto à imunização de um grande contingente populacional. No caso do Brasil, o município de Serrana, localizado no interior de S. Paulo é um bom exemplo a ser citado. Além, é claro, de outros países que tiveram parte significativa da sua população vacinada e diminuíram drasticamente o número de internações em decorrência do enfraquecimento dos efeitos nocivos produzidos pelo vírus no organismo das pessoas.

Obviamente que diante do surgimento de novas cepas mais resistentes tanto ao sistema imunológico quanto aos medicamentos existentes, ainda não é possível detectar com exatidão o grau de eficácia promovido pelas vacinas.

Também é importante salientar que até agora não há elementos suficientes que permitam concluir a ocorrência de uma significativa diminuição na transmissão, principalmente se considerarmos a necessidade da utilização de máscara, até mesmo por entre pessoas que tomaram todas as doses recomendadas.

No entanto, a forma como a mídia tem apresentado em termos de caráter educativo esse assunto para as pessoas é bem limitada, pois ela se coloca como divulgadora e representante da ciência, sem minimamente se questionar sobre se há efetivamente unanimidade na ciência frente a um fenômeno tão novo e desafiador.

Penso que esse tipo de unanimidade científica está distante de se estabelecer, considerando-se a complexidade do problema em que diariamente são desenvolvidas pesquisas com todos os tipos de substâncias no intuito de se tentar encontrar alguma solução eficaz para esse imbróglio. 

Infelizmente, não temos observado esse debate nos meios de comunicação em razão do temor de que a partir da prestação de maiores esclarecimentos ao público, aumente a resistência das pessoas em tomarem as vacinas.

Provavelmente, há um grande interesse econômico subjacente por parte das produtoras e revendedoras das referidas drogas para garantir que seus produtos sejam massivamente consumidos a nível mundial, como único meio para se combater à covid-19.  É uma regra básica mercadológica: a procura nunca poderá ser inferior à oferta.

Na maior parte das vezes, essa discussão é colocada em um nível muito raso em termos científicos, ou seja, politizando uma questão de suma importância em termos de saúde pública.

Essa forma de politização que estamos cansados de acompanhar se constitui como uma nefasta cortina de fumaça que impede ou no mínimo dificulta o entendimento e a tomada de decisões por parte das pessoas. E além do mais, desencadeia as mais variadas formas de polarização em que a complexidade da política se converte apenas a conceitos e a atitudes estéreis de “esquerda” e de “direita”.

O fato de as pesquisas terem avançado significativamente com relação à aplicação das vacinas para se combater a Covid-19 e ter se tornado a corrente hegemônica nos meios acadêmicos, não deveria excluir ou calar outras evidências igualmente científicas, submetidas a critérios de validação que lhes são inerentes.

Poderia e deveria haver complementariedade, mas os indícios são a existência de interesses escusos que nem sequer deixam esses debates se sucederem na mídia, sem os acalorados e alienados discursos políticos que visam primordialmente manter e colocar os seus representantes no poder, fazendo com que toda a máquina pública trabalhe em favor de interesses particulares, alheios aos coletivos.

Um exemplo de resultados ainda bem pouco divulgados nos meios de comunicação de massa, são os efeitos promissores verificados nos estudos realizados com a utilização de altas doses da vitamina ou, para ser mais preciso, hormônio D.  

Será que em razão desse hormônio ter um baixo custo na sua forma sintética ou por não se poder patentear a energia solar que estimula a sua produção pelo próprio organismo, não há o interesse de expor essas pesquisas para a discussão dentro da mídia?

Volto a dizer, isso não significa que outras substâncias devam substituir a vacina, pois não são necessariamente excludentes entre si, tal como somos informados e pressionados a acreditar, podendo ser perfeitamente complementares. Tudo depende dos resultados científicos alcançados e desde que cumpram efetivamente uma das suas funções sociais que é a de trazer benefício efetivo às pessoas.

Não se educa ninguém utilizando exclusivamente métodos impositivos do medo ou do pânico. Haja vista a relutância de muitas pessoas no mundo inteiro em aceitar tomar a vacina. Certamente que é necessário respeitar o poder de destruição da doença e tomar todas as precauções necessárias para se evitar o contágio e a transmissão.

Mas isso por si só, a massiva exposição do terror mediante a constante divulgação do número de mortes, não basta.  Há necessidade de se ir além; de se realizar amplas divulgações do conhecimento acadêmico que não esteja vinculado a apenas uma vertente, mas que abra o leque para outras possibilidades igualmente científicas para que aqueles que criticam o chamado negacionismo não sejam eles próprios reflexos de sua crítica: negacionistas.

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POR MÁRCIO SANTIM

SEJA FELIZ

Seja feliz

Por: Humberto Luis Marques

Feliz daquele que consigo traz a tristeza.

Ser feliz possivelmente nunca foi o sonho da humanidade ao longo de toda a sua trajetória como espécie. Felicidade nunca foi nossa prioridade. Mas, em algum determinado momento da nossa história, isso passou a ser importante. O mundo passou a exigir pessoas felizes; um padrão de perfeição. O que antes poderia ser um sentimento pessoal e compartilhável, se transformou em uma exigência social, ainda que velada. As mídias sociais levaram isso ao extremo. O que era antes uma exigência, passou a ser uma obrigação. Mas, como ser permanentemente feliz? A tecnologia existe hoje para isso.

“O procedimento é muito simples. Essa nanopartícula é adicionada ao organismo e automaticamente ela se conecta a seu sistema operacional orgânico; ela vai analisar você. De imediato, ela irá coletar os dados disponíveis em seu sistema operacional; ninguém mais nasce sem ele. Então, desde o desenvolvimento embrionário até hoje, irá garimpar o que é o foco do nosso interesse: medos, anseios e incertezas e, claro, tudo o que te deixa feliz. É como um download, só que os dados são formados pelo histórico dos níveis hormonais gravados ao longo da nossa vida. Os hormônios em nosso corpo são como uma autobiografia, que revela nossos estresses e nossos prazeres; mesmo que não queiramos reviver as situações que causaram essas marcas”.

“O procedimento é seguro?”

“Quem não quer ser feliz? Para que vivermos com lembranças que nos trazem sensações negativas, nos colocam para baixo? Não há nenhum registro de qualquer tipo de problema significativo até hoje. Você bem sabe que essa tecnologia foi desenvolvida para salvar as pessoas de seus traumas emocionais, das travas que as impediam de se desenvolver; de serem felizes. Uma pessoa que sofreu uma violência; por que ela precisaria conviver com aquela lembrança; revivendo aquela situação ou suas sensações? Superar era um processo demorado e longo; a tecnologia reduziu esse tempo a nada. Não nascemos para viver com as angústias do nosso passado, dos nossos erros. Vamos ser felizes com o nosso presente e sonhar com as alegrias do futuro”.

“Como você disse, a ‘be happy’ foi desenvolvida para ajudar pessoas a superarem traumas profundos. No entanto, hoje, toda e qualquer pessoa pode acoplá-la ao seu sistema orgânico. Não precisa de nada; basta querer instalar. Se tornou febre em todo o mundo; me parece arriscado”.

“As pessoas querem ser felizes; elas precisam da felicidade para viver. O que você quer para o mundo? Pessoas vivendo tristes e cabisbaixas? A vida é curta. Não vale a pena se aborrecer. Essa nanopartícula irá gerar boas sensações no seu organismo. Não só por meio do equilíbrio hormonal, mas bloqueando e apagando lembranças desagradáveis recentes ou passadas”.

“É possível apagar lembranças e sensações?”

“Acredite, sim é possível. A tecnologia nos permite tudo; se ainda não permitiu algo, irá permitir logo, logo. Não duvide disso. E, então, podemos fazer o procedimento?”

“Ok, vamos fazer”.

Os dias seguiram dentro de sua monotonia habitual. O trabalho conectado ao corpo, e o corpo sendo uma extensão do próprio trabalho. No mundo, os limites do pessoal e do profissional se perderam em algum momento da história. Nos conectamos ao trabalho e ao lazer como se cada ser humano fosse um smartphone ambulante. Se quiséssemos, poderíamos viver em “nós” mesmos, sem a convivência física com outras pessoas, bastando com nossos olhos acionar os comandos em realidade aumentada para pedir coisas, trabalhar, jogar, se comunicar.

Só que alguns dos milhares de genes de nosso DNA ainda nos impulsionam ao convívio social. Quanto mais as pessoas foram se isolando cada qual em seu mundo, renascia uma ânsia pelo reencontro e pelo convívio; pela oportunidade de ver alguém frente a frente, sem a distância da tecnologia.

O convívio em grupo ou com outras pessoas, no entanto, traz a reboque frustações, raiva, remorso, decepções, fracasso e tristeza; situações a qual o ser humano pouco sabe lidar no seu novo mundo. Para superar o que se tornou um desafio, mantendo uma vida minimamente sociável, as pessoas foram levadas a buscar desenfreadamente a felicidade. Estar feliz consigo e com o outro. Uma felicidade que não deixa ver as marcas de imperfeições no espelho humano.

“Infelizmente os ingressos se esgotaram para o show presencial, me desculpe. Mas, é possível ainda assisti-lo pelo seu sistema operacional. Os vouchers estão em promoção”.

A experiência do convívio social se transformou em um novo e rentável negócio; um revival de algo do passado. Funcionários humanos vendendo os ingressos; shows com bandas ou teatros com atores. Pessoas e mais pessoas juntas vivendo a moda dos nossos antepassados.

A sua vez na fila havia chegado quando os ingressos acabaram e um misto de raiva e frustação o dominou. A fila era grande, os ingressos limitados. Mas, no fundo, ninguém acreditava que não iria entrar. Só que o espaço físico é restrito. Ao mesmo tempo em que crescia sua raiva, uma nova sensação de bem-estar passou a dominá-lo. Era dopante e fez com que um sorriso de satisfação brotasse em sua face. Em segundos, nada parecia ter acontecido. Só uma sensação de felicidade plena.

A sensação causada pelo “be happy” era como um processo biológico acelerado, dissipando prontamente a mínima ameaça de tristeza. A raiva momentânea sumia. Esta sensação se tornou prontamente uma espécie de droga, com pessoas chegando a cultivar situações em que se sentem frustradas, raivosas ou tristes, só para poderem se sentir felizes novamente.

Os espaços de publicidade em cada visão computacional individual reforçavam a transformação pela felicidade, mas as ruas não se tornaram mais seguras por causa disso. O “be happy” excluía os erros humanos da memória, criando uma ética e uma moral elásticas. Mesmo um assassinato poderia ser apagado e suas consequências psíquicas eliminadas e substituídas pela felicidade proporcionada pelo “be happy”. Uma atualização de todo o sistema teve de ser feita para bloquear determinados impulsos homicidas. Mas o fato é que mesmo coisas simples podiam sumir de nossa memória afetiva, deixando em aberto uma questão: se o que é intangível ao indivíduo a ele pertence e some, o que restará ao eu?

Enquanto esperava um download no sistema, remexia em suas pastas de memórias de infância. Encontrou a lembrança de uma pequena bola de borracha vermelha e branca. A lembrança o fez andar até a sua escrivaninha e puxar a última gaveta. Ainda estava ali, com manchas de sangue. Ela pertencia a ele e outro moleque a quis pegar a força. Brigaram; e quando o derrubou, deu vários socos em seu rosto que sangrou; ele pegou a bolinha e saiu correndo. O ódio, a raiva e o medo vividos naquele dia voltaram vivas nele. Ao mesmo tempo, uma outra sensação foi emergindo. Uma sensação de prazer e felicidade. Um branco começou a dominar suas lembranças, com as imagens de toda aquela cena clareando até desaparecerem por completo. O que viverá parecia já não mais existir. Olhou a bola manchada, mas ela não parecia mais fazer sentido algum. A colocou na gaveta e seguiu para a cozinha. Hesitou sobre o que fazer. Haviam dois copos na pia, mas definir em qual beber água parecia naquele momento ter se tornado uma decisão difícil, e com consequências que não sabia precisar. Mesmo sendo tudo aquilo algo irracional e ilógico ao seu olhar.

Os dias seguiram a partir dali como habitual. O trabalho automatizado e as diversões virtuais de sempre. Numa destas folgas, escolheu um lanche em sua impressora 3D. Enquanto ela printava seu cheeseburger, começou a olhar o pequeno apartamento. Uma escrivaninha, paredes brancas para projeção e uma minicozinha. Acionou seu arquivo de fotos e as rodava com o movimento dos olhos. De repente, encontrou uma foto sua com a sua mãe, abraçados e felizes; ainda uma criança.

A foto lhe trouxe uma sensação de tristeza. Ela morrera depois de meses doente em uma cama sofrendo, com remédios apenas para amenizar sua dor e sedá-la. Alguns poucos dias antes de morrer, ela teve uma leve melhora. Ele estava ali no chão brincando, como às vezes fazia para ficar perto dela. “Não sofra pelo que não pode ser consertado; onde quer que você esteja, sempre ficarei com você. Estarei a seu lado”. Ele a abraçou na cama e chorou sobre suas mãos.

Mas, relembrando aquele momento, as lágrimas verteram de seus olhos e a dor da perda tomou conta de si, acompanhado de uma profunda tristeza. Foi quando percebeu a branquidão encobrindo sua visão e aquela cena se apagando. A sensação de prazer e felicidade começou a querer dominar o seu corpo. Mas, teve tempo de perceber que, como um rastilho de pólvora, o sistema procurava por outras imagens de sua mãe e as ia apagando; fazendo o mesmo com as poucas existentes de sua família. Desesperado, apertou sua cabeça com as mãos e a bater com ela na parede. “Não”, gritava, provocando um enorme esforço mental na tentativa de impedir que tudo se apagasse, e aquela sensação de felicidade o passasse a dominar. Uma grande luz branca então obscureceu sua visão; e ele caiu apagado no chão, enquanto vizinhos arrombavam a porta e o tentavam socorrer.

O Hospital dos Desplugados é um bonito local. O verde ocupa boa parte de sua área. São árvores e flores, com bancos espalhados e de onde se pode observar o jardim dos mais diversos pontos. Ele demonstrava gostar de um em especial, bem de frente a um canteiro de tulipas brancas. “Está na hora de entrar”, disse a enfermeira o pegando pelo braço. Já não falava e nem reagia a qualquer coisa; apenas se deixava conduzir. Era um vazio de olhar distante, quase sem vida, mas com um triste sorriso no rosto.

Humberto Luis Marques é jornalista formado pela Unimep. Há 20 anos atua com comunicação no agronegócio, ocupando atualmente o cargo de editor nas revistas Avicultura Industrial e Suinocultura Industrial. Com interesse em inovação tecnológica, tem trabalhado em pautas relacionadas a chamada Indústria 4.0 com aplicação no agro.

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POR MÁRCIO SANTIM

VILÕES E HERÓIS

VILÕES E HERÓIS

Por: Marcio Santim

Um ponto que tem chamado bastante minha atenção com relação a muitos filmes e séries televisivas exibidas atualmente, refere-se à ocorrência de significativas mudanças nas ênfases atribuídas a determinados personagens e papéis no desenrolar das tramas.

A forte linha que antigamente demarcava quem eram os “mocinhos” e os “bandidos” dentro das produções cinematográficas ou televisivas passou gradativamente a ceder lugar para uma delimitação mais tênue e flutuante.

Em outras palavras, não encontramos mais com tanta frequência nesses meios de entretenimento aquele tipo característico de linearidade em que o personagem era apresentado ao público de modo cem porcento benevolente ou, contrariamente, maléfico nessa mesma magnitude.

É bem comum serem apresentados ao telespectador oscilações nos comportamentos dos personagens que revelam diversos tipos de decepções e conflitos interiores por eles experenciados. Fatos esses que acarretam confrontos desses personagens com todo um sistema de valores vigentes, fazendo com que as pessoas frente às telas se indaguem constantemente sobre a validade de certos princípios éticos e morais estabelecidos bem como quanto a quem efetivamente os concretiza.

Para inserir os telespectadores dentro desse contexto, tem sido comum os autores e os diretores de várias dramaturgias utilizar como recurso a exploração do histórico de vida dos personagens, apresentando algumas ocorrências esclarecedoras quanto às razões que os levaram a se tornarem perversos ao longo da vida.

Um filme que ilustra esse tipo de situação é Coringa, lançado em 2019 e dirigido por Todd Phillips. Personagem esse que na maior parte das vezes era apresentado ao público como um vilão maluco totalmente descolado da realidade que apenas servia para corromper a fictícia cidade de Gothan e infernizar a vida do herói e seu maior inimigo Batman.

Dentro dessa linha de raciocínio no que diz respeito à inversão de papéis tradicionais relativos ao vilão e ao herói, podemos citar a famosa série espanhola La Casa de Papel em que assaltantes de Bancos se constituem os mocinhos da história, tendo como pano de fundo nessa trama o questionamento sobre quem seriam os perversos na realidade, tendo em vista que os Bancos apesar de fundamentarem suas ações dentro da legalidade tributária, apresentaram-se ao longo da história como instrumento de exploração econômica e de acumulação de riqueza.

Tais modificações envolvidas nesses enredos contemporâneos, refletem dinâmicas e conflitos sociais marcantes da nossa realidade no que diz respeito à presença de uma contínua crise ética e moral que se expressa primordialmente no âmbito sócio cultural, acompanhada de profundas perturbações existenciais a nível pessoal, ou seja, das dificuldades encontradas pelas pessoas em identificar sentidos, valores e objetivos para as suas vidas.

Se antigamente, o público frente às enormes telas cinematográficas compartilhadas com outras pessoas torcia para o êxito do protagonista da história, identificado com rígidos valores e princípios tidos como absolutamente corretos socialmente, hoje, diante de suas telas menores localizadas no espaço privado residencial tem desenvolvido posicionamentos distintos quanto àqueles de outrora.

De um lado, a fim de compreendermos essas diferenças, precisamos considerar que a própria configuração desses entretenimentos se transformou substancialmente. A começar pela forma de seu consumo, em que na maior parte das vezes já não é mais realizado juntamente com as demais pessoas em razão dos indivíduos assistirem a esses tipos de produções isoladamente.

Este fato, por si só, já contribui bastante para que as pessoas detenham um certo tipo de liberdade aparente para formar as suas próprias convicções, visto não estarem, a princípio, sob influência direta das pessoas que estão a sua volta. 

As gargalhadas, as vaias, os xingos emitidos por um grande número de pessoas que estão ao redor do sujeito são extremamente contagiantes e sugestivos do ponto de vista de formação de convicções particulares, tanto no sentido de adesão quanto de repulsa a determinadas situações polêmicas trabalhadas dentro da dramaturgia.

Pois bem, mas é certo que nos dias de hoje, talvez de modo menos imediato tal como o presencial citado no parágrafo anterior, também encontramos outros espaços relacionados a essas trocas de experiências e concepções, principalmente as redes sociais que de modo bem mais abrangente e consequentemente potente têm propiciado o contágio em massa relativo a posicionamentos ideológicos antagônicos, geralmente acarretando discussões supérfluas que estimulam as pessoas a aderirem polarizações com mínimas bases racionais.

O acentuado desenvolvimento dos meios comunicativos em decorrência dos saltos tecnológicos ocorridos em um curto espaço de tempo fomentou a divulgação de muitos fatos negativos envolvendo a imagem de figuras públicas, ocupantes de cargos que supostamente representam ou são destinados a atender aos interesses coletivos.

Assim, por meio da investigação jornalística e atuação midiática, intensificou-se o conhecimento adquirido pelas pessoas quanto as mais variadas formas de corrupção, escândalos sexuais, vícios e outras ilicitudes cometidas por diversos sujeitos que até então forjavam uma aparência límpida e honesta.

Essas revelações se sucederam nos mais diversos setores da sociedade, entre eles: políticos, religiosos, jurídicos, educacionais etc. E uma das questões sempre suscitada nesses casos se refere à importância de se preservar a privacidade dos envolvidos em uma denúncia; até onde e quando ela deve se manter resguardada? No meu modo de ver, até o momento em que certos comportamentos não prejudiquem ou se se sobreponham aos interesses públicos definidos democraticamente.

Sem dúvida, que essas são questões delicadas e complexas que envolvem constantes reflexões e discussões perante a participação de toda a sociedade, levando-se em que conta todo o contexto social determinante de um momento histórico.

Diante do exposto, as pessoas em geral se tornaram relativamente menos ingênuas nesse aspecto, ou seja, de acreditar piamente no discurso realizado pelos representantes daquelas instituições destinadas a defender o interesse público.

Não faltam casos concretos a serem citados relativos à falácia desses tipos de retóricas, no sentido de constatarmos exatamente o contrário: a sobreposição de toda espécie de interesses particulares sobre os de ordem coletiva, disfarçados com inflamados recursos demagógicos.

Considerando-se esse fato, para ilustrar, podemos citar como exemplo dentro do cinema, o filme brasileiro Tropa de Elite 2, dirigido por José Padilha em que podemos notar as mudanças de concepções e comportamentos apresentados pelo protagonista tenente-coronel Nascimento quando comparados ao primeiro filme.

Nessa sequência, o aludido personagem começa a se questionar sobre se efetivamente aquilo contra ele lutava – o narcotráfico dentro das favelas cariocas – deveria ser o alvo principal das suas ações ou se o problema não se estruturava muito além com relação àquilo que imaginava. Como sugere o próprio subtítulo do filme, parece que realmente o inimigo mais poderoso era outro. blindado com os mais variados subterfúgios legais.   

No entanto, apesar de a mídia ter levado ao público o conhecimento dessas mazelas que frequentemente minam a sua credibilidade frente aos princípios tradicionais alardeados pelas diversas instituições sociais, ela também contribui para manter a ignorância das pessoas ao celebrar o culto das personalidades públicas.

Esse papel dos meios comunicativos em parte é compreensível, pois como estão vinculados a todo um sistema econômico e necessitam de recursos financeiros para sobreviverem, acabam exercendo uma função social delicada em razão de sempre terem que dotar a informação com algum valor utilitário para poderem a vender e com isso obterem o almejado retorno financeiro que mantém o seu funcionamento.

No caso das figuras políticas cuja imagem sofre um processo de edição que desfigura totalmente a pessoa real que está por detrás da máscara construída, elas se constituem como mais um produto a ser encaixado no mercado publicitário que se encontra intimamente vinculado com a mídia.

E, na maior parte das vezes, qual é a principal característica inserida nessas imagens para alcançarem notoriedade perante o público? A de superes heróis no sentido de praticamente sozinhas poderem transformarem toda uma estrutura institucional podre e corrompida.

Mas para se estabelecer essa crença na personalidade é imprescindível um passo adiante: identificar e apontar um suposto vilão, responsável exclusivo por toda a desgraça social, para ser execrado e odiado por parte significativa da população.

Essa personalização é sempre limitada no sentido de dificultar o acesso das pessoas a formas de esclarecimentos eficazes quanto às dinâmicas sociais que as envolvem. Além disso, o culto da personalidade produz diversos tipos de estímulos para fazerem os indivíduos a acreditarem em soluções mágicas e fáceis para a resolução dos problemas enfrentados no cotidiano.

Algumas vezes, a citada personalização se expande um pouco para adquirir uma conotação de particularização, ou seja, não se trata mais exclusivamente de certas pessoas definindo a realidade, mas sim de partidos ou seguimentos religiosos, por exemplo, mas a lógica superficial envolvida na compreensão do fenômeno é sempre a mesma, por descartar o todo como determinante do sistema.

Dessa forma, compreendem-se as razões por que a maior parte das instituições mudaram pouco no seu âmago ao longo da história, mesmo tendo sido frequentemente comandadas por pessoas com inclinações ideológicas divergentes.         

E com relação às dramaturgias, apesar dessa quebra de paradigma ocorrida quanto à identificação frente a certos padrões rígidos valorativos, tanto com relação ao conteúdo dos filmes (maior dinâmica no desenrolar da história dos personagens) quanto à expectativa presente nesse mesmo sentido nas pessoas que lhes assistem, parece que ainda não houve o desprendimento dessa lógica personalista, pois mesmo se invertendo os papéis, persiste a dicotomia relativa à presença de vilões de um lado e heróis de outro, compondo o cenário e o desfecho da história.

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POR MÁRCIO SANTIM

NOSCERE AUDERE VELLE TACERE

NOSCERE - AUDERE - VELLE - TACERE

Por Antonio Pessotti

A Música sempre inspirou o olhar para o futuro, para o que seria oculto aos olhos dos “pobres mortais”, que digam certas letras, como “Cartomante”, “Está escrito nas estrelas”, entre outras. Bom, “caso do acaso bem marcado em cartas de tarô”, ou não, o eterno questionamento da Esfinge está bem na “moda”, no sentido literal da palavra que leva muitas modelos lindas às passarelas. Aquilo que se repete dentro de uma amostragem de eventos pode guiar nossas tendências, se assim deixarmos e se os atuais algoritmos das redes sociais, novos espíritos encarnados nas nuvens do “não saber”, funcionam como nossos oráculos em pleno século do “telefone celular, espelho meu”.

Fugir dessa medida estatística como “práxis” é fugir de certas situações ou configurações da realidade. No entanto, não dá para fugir da Esfinge do dia a dia, que nos pergunta sempre “decifra-me ou te devoro”. O olhar narcisista do espelho pode revelar o pior de nós, nem sempre o belo reflexo de quem “não acha bonito o que não é espelho”.

A criatura mítica tem sua origem na antiguidade, não apenas na mitologia greco-romana, mas, bem anterior e comum a outras culturas. Os egípcios tinham androsfinge, hierocosfinge, e criosfinge, sendo o corpo sempre de leão e suas cabeças: humana, falcão, e cordeiro, respectivamente. A mais conhecida escultura é a Sesheps de Gizé, também denominada de “Pai do Terror”, em árabe. A mitologia grega tem a conhecida figura de Tebas, demônio de destruição e má sorte que questionava a todos os viajantes, como leão alado com cabeça de mulher. Algumas hipóteses consideram que seria uma mulher com patas, garras, e peitos de um leão, cauda de serpente e asas de águia. Sófocles relata em sua peça, Édipo Rei, que teria Hera, ou Ares, mandado a esfinge de sua casa na Etiópia  para Tebas, para aterrorizar a todos com o quebra-cabeça mais famoso da história: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?”. A etimologia do seu nome “sphinx”, que em grego significa “estrangular”, mostra o destino fatal dos incautos e inábeis nessa tarefa de vencê-la. Para nós, ficou o termo bem conhecido em várias áreas, o esfíncter, com a função de regular a passagem de fluidos em qualquer sistema, biológico (temos 43!) ou hidráulico.

Por outro lado, a Esfinge pode ser considerada a síntese de um ensinamento em quatro momentos, sintetizada pelos verbos “saber, querer, ousar, calar”, da mesma forma que a sonata número 2 de Chopin com os movimentos “Sepultura, Scherzo, Marcha Fúnebre, e Final”. Ela é representada no arcano XXII do Tarô, com a representação do ser andrógino no seu centro, superando as fases propostas pelos “monstros” dos quatro cantos da carta, semelhantes à visão de Ezequiel e na  iconografia como os quatro seres representantes dos evangelistas. Não é para assustar… “Monstro” é derivado do latim “monstrum”, de “ser deformado, monstruosidade, sinal, agouro”, literalmente “aquilo que deve ser mostrado”, derivado do verbo monere, “avisar, chamar a atenção para”. Para pensar, os machões de plantão não deveriam chamar as mulheres de sereias, posto que elas não eram tão belas assim, apenas com sua voz maviosa, atraíam os marinheiros e, eram aladas, como representadas na Odisseia de Homero.

Esfinges, Sereias, ou Hárpias, suas primas… Que nenhuma delas sejam nossas companheiras, antes, que sirvam como reflexão das nossas próprias dificuldades a serem vencidas. Que não nos estrangulemos diante das dificuldades, antes, meditemos ao som de Chopin ou com um bom chope, a beleza da vida e a superação dos problemas que nos cercam, sem ter nenhum esfíncter frouxo, como certos “representantes do povo”…

Salve, Alfredo!

Em silêncio, meditemos:

Pensais que a opinião pública nunca possa render homenagem o vício? Não, mas ela faz justiça à atividade e à audácia, e está na ordem que os covardes infames estimem os bandidos audaciosos. A audácia unida à inteligência é a mãe de todos os sucessos neste mundo. Para empreender, é preciso Saber; para realizar, é preciso Querer; para querer verdadeiramente, é preciso Ousar; e, para recolher em paz os frutos da própria audácia, é preciso se Calar. SABER, OUSAR, QUERER, CALAR são os Quatro Verbos Cabalísticos que correspondem às quatro letras do Tetragrama e às quatro formas hieroglíficas da Esfinge. Saber é a cabeça humana; Ousar são as garras do leão; Querer são as ilhargas laboriosas do touro; Calar são as asas místicas da águia. Apenas se mantém e acima dos outros quem não prostitui os segredos de sua inteligência aos comentários e ao escárnio daqueles.(In: A Chave dos Grandes Mistérios, Éliphas Lévi).

Antonio Pessotti é músico, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), pesquisador colaborador do Laboratório de Fonética e Psicolinguística (IEL – Unicamp) e professor de Canto e História da Música na Escola de Música Maestro Ernst Mahle (EMPEM).

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POR MÁRCIO SANTIM

MÚSICA E O EXORCISMO DO PANDEMÔNIO

MÚSICA E O EXORCISMO DO PANDEMÔNIO

Por Antonio Pessotti

Não há quem não tenha ouvido a frase “Música faz bem”. Aliás, ela, a Música, é necessária no momento que passamos, de isolamento social devido à pandemia. É necessária porque nos ajuda a superar as crises emocionais, ganhar ânimo diante de situações tensas, passar o tempo, enfim.

Mas, será verdade tudo isso? O que a Ciência nos mostra? A prática nos convence há séculos, e, mais recentemente, com as manifestações na Europa durante os períodos mais críticos do isolamento social.A seguir, faço a exposição de três estudos recentes sobre a relação Música e Psicologia.

Susan Hallam (Psychology of Music, 2018) levanta várias questões: como a Música afeta nosso humor? Qual a melhor forma de desenvolver habilidades musicais? Como a definição de Música muda entre as culturas?

A autora explica que o campo da Psicologia da Música explora o impacto importante que a música tem em nosso cotidiano, e sua influência na sociedade, grupos e indivíduos. Esse campo de estudo demonstra como a Música pode beneficiar nossa atividade intelectual, saúde, bem-estar,além de examinar a habilidade musical como “dom” e algo que pode ser desenvolvido durante aprendizado e prática.

É notório que a Música aprimora nossa compreensão de humanidade e da vida moderna, e, segundo a autora, a Psicologia da Música nos mostra a significância da Música, e o poder que ela tem sobre nosso comportamento.

Swathi Swaminathan e E. Glenn Schellenberg (Emotion Review, 2015) discorrem sobre o fato da Música ser um Universal, algo conhecido por todo ser vivo (até mesmo, extraterrestres?), pois, ao menos parcialmente ela permite expressar emoções e regular os afetos. As associações entre música e emoção têm sido examinadas regularmente por pesquisadores da área da Psicologia da Música.

Os autores revisam achados recentes em três áreas:a) a comunicação e a percepção da emoção na música, b) as consequências emocionais do ouvir música, e c) fatores preditores das preferências musicais.

Ian Cross (Psychology of Music, 2014) discorre que há um consenso sobre o fato da música ser universal e comunicativa. O diálogo musical é considerado um elemento-chave em muitas práticas terapêuticas, porém,a ideia de que a música é um meio comunicativo tem pouca atenção nas Ciências Cognitivas, com poucas e limitadas pesquisas, e, consequentemente, com relevância limitada para a musicoterapia.

O autor usa evidências etnomusicológicas e uma compreensão da comunicação derivada do estudo da fala para esboçar uma estrutura na qual situar e entender a música como prática comunicativa.

Ele descreve alguns dos principais recursos da música como meio participativo interativo – incluindo arrastamento e intencionalidade flutuante – que podem ajudar a sustentar o entendimento da música como comunicativa e que podem ajudar a orientar abordagens experimentais na ciência cognitiva da música para esclarecer os processos envolvidos na comunicação musical e nas consequências do envolvimento na comunicação através da música para os indivíduos em interação.

Segundo o autor, isso sugere que o desenvolvimento de tais abordagens pode permitir que as ciências cognitivas forneçam uma compreensão mais abrangente e preditiva da música em interação, o que poderia ser um benefício direto para a musicoterapia.

O artigo de Orii McDermott, Martin Orrell, Hanne Mette Ridder (Aging and Mental Health, 2014) trata de aspectos clínicos,específicos à demência. Segundo o levantamento dos autores, apesar da popularidade das intervenções baseadas na música no tratamento da demência, há um conhecimento limitado de como e por que as pessoas com demência consideram a música benéfica para o seu bem-estar.

Os autores fizeram estudo qualitativo para desenvolver insights adicionais sobre as experiências musicais de pessoas com demência, e explorar o significado da música em suas vidas.

A pesquisa dividiu em grupos focais separados e entrevistas com (1) residentes em casas de repouso com demência e suas famílias, (2) clientes de pronto atendimentos com demência, (3) equipe de atendimento domiciliar e (4) musicoterapeutas. Os achados da análise temática foram investigados à luz de fatores psicossociais com o objetivo de desenvolver um modelo teórico sobre música na demência.

Os resultados relatados pelos autores foram seis. A acessibilidade da música para as pessoas em todas as fases da demência; os laços estreitos entre a música, a identidade pessoal e os eventos da vida; a importância da construção de relacionamentos através da produção musical foram particularmente destacados como valiosos.

Eles desenvolveram um modelo psicossocial da música na demência, que revelou a importância da música para apoiar a psicologia pessoal de pessoas com demência e a psicologia social do ambiente doméstico de cuidado. Esse estudo demonstrou que os efeitos da música vão além da redução dos sintomas comportamentais e psicológicos.

A preferência individual da música é preservada durante todo o processo de demência. Manter a conexão musical e interpessoal ajudaria a valorizar quem é a pessoa e manter a qualidade de sua vida.

Esses estudos, como exposto, demonstram que a Música realmente faz bem, praticando, ouvindo. Vai além do desenvolver nossa interioridade, vai até o outro, até a interação social. Esses tópicos já foram discutidos também por outra área: a Filosofia da Música. Mas, esse é outro assunto a ser desenvolvido, futuramente.

Vídeo de entrevista na integra:https://www.youtube.com/watch?v=YEgDz09Oooc&t=29s

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POR MÁRCIO SANTIM

NATAL (WHITE CHRISTMAS) PARTE 1

NATAL (WHITE CHRISTMAS) – PARTE 1

Por Marcio Santim

Esse episódio não está incluído nas temporadas de Black Mirror, sendo um especial exibido pela primeira vez na TV em dezembro de 2014, que contém três histórias interligadas no seu enredo.

Em termos psicológicos, poderíamos começar a análise a partir de qualquer parte, mas para não perder o foco no desenrolar da história, será observada a sequência dos acontecimentos conforme apresentados pela trama.

Os dois personagens principais Joe e Matt aparecem isolados em uma residência no meio de um deserto coberto por neve, prestes a comemorarem o Natal. Enquanto Matt prepara a ceia, tenta também a todo custo estabelecer um diálogo com o seu companheiro Joe, visto que havia menção de já fazer cinco anos em que estavam isolados naquele local e ainda não haviam minimamente se comunicado.

Apesar das investidas de Matt para que Joe falasse algo, este se mantém inerte,em total silêncio, apenas observando o seu companheiro que em razão de hipoteticamente não suportar mais aquela monotonia, resolve começar a contar sobre as razões de estar confinado naquele lugar.

A princípio, Matt expõe a Joe o seu entretenimento predileto, que também lhe rendia dinheiro, caracterizado por liderar um grupo de pessoas, uma espécie de clube voltado para bisbilhotar os relacionamentos amorosos e sexuais dos seus integrantes, com a mútua aceitação e conhecimento de todos os participantes.

Com toda a sua eloquência e experiência nas artimanhas relacionadas à conquista amorosa, Matt começa a aconselhar detalhadamente em tempo real um jovem integrante do grupo em como se aproximar e conversar com uma garota dentro de uma festa.

O contato visual e auditivo era possibilitado por meio de um aparato tecnológico chamado “Z-Eye” (olhos Z) implantado nos olhos das pessoas. Um tipo de câmera intraocular que permitia às pessoas, mesmo sem estar fisicamente presente em um ambiente, visualizar remotamente e se comunicar verbalmente como sujeito que se encontrava fisicamente num determinado local. Tal conexão e transmissão de informações eram feitas pela Internet em tempo real.

O jovem Harry aparentava ser muito tímido e inseguro, fato esse que o deixava totalmente submisso aos comandos de Matt e sob os olhares indiscretos dos demais telespectadores integrantes do grupo, que ficavam muito ligados na situação e sempre que possível interagiam com o líder, a fim de sugerir algum tipo de direcionamento ao espetáculo da vida privada ora presenciado. Na realidade, essa parte do episódio faz lembrar bastante a dinâmica existente nos reality shows do tipo Big Brother.

Matt denominava esse tipo de atividade realizada como assistência romântica in loco. Para surpresa e apreensão de Harry, a técnica de conquista utilizada por Matt acaba de certa forma funcionando no primeiro encontro e a garota convida o jovem para irem até a casa dela e assim ficarem mais à vontade. Para delírio do auditório, todos os indícios apontavam que os expectadores iriam observar uma relação sexual de alguém que nunca havia transado.

Mas a situação acabou sendo bem diferente. Na realidade, não foram os conselhos dados por Matt os responsáveis pelo êxito no processo de sedução, mas sim o fato de a garota Jennifer que tinha distúrbios paranoicos, ter em um momento observado Harry conversando “sozinho”, quando de fato comunicava-se com seu assessor, e com isso deduzido que ele também era incomodado por vozes sinistras.

No entanto, como a garota havia interrompido o seu tratamento medicamentoso e acreditava que as vozes perturbadoras que ouvia eram de fato reais,ela começou a pensar que Harry também apresentava esse sofrimento e acabou por força-lo a tomar junto com ela uma bebida envenenada que provocaria a morte de ambos.

Matt percebeu a gravidade da situação e insistiu para que Harry saísse imediatamente daquela residência,porém não foi possível evitar a tragédia. A partir disso, para se esquivar do descobrimento quanto ao seu envolvimento no crime, Matt tenta destruir todos os arquivos que continham aquelas imagens, mas a sua esposa acaba descobrindo e coloca um fim no relacionamento entre eles, bloqueando a imagem capturada pelos olhos Z deforma que não conseguissem mais se ver.

O que podemos citar como fundamental nessa parte do episódio para a realização da nossa análise, refere-se à coexistência na atualidade de fortes disposições psicológicas relacionadas ao voyeurismo e ao exibicionismo, aliadas aos mais variados dispositivos tecnológicos que permitem e estimulam a manifestação desses fenômenos de forma ímpar ao longo da história.

Há toda uma indústria do entretenimento, facilitada pela disseminação de aparelhos eletrônicos, que produz e divulga incessantemente o objeto de desejo tanto de voyeurs (prazer em ver) quanto de exibicionistas (prazer em mostrar),que é justamente a intimidade.

Uma intimidade bem diferente, se comparada a de tempos pretéritos, como por exemplo, aquela existente no início do século XX quando Freud estudou oscitados fenômenos, principalmente pelo fato dos recursos tecnológicos possibilitarem que ela seja maquiada e manipulada até o âmago da sua estrutura,tornando-se uma fugaz representação daquilo que se concebia como intimidade,exatamente pela superficialidade que a tem caracterizado.

Ao migrar do âmbito privado para o espaço público, a intimidade se transforma em bem de consumo, espetáculo e consequentemente observamos uma desfiguração da afetividade que lhe era inerente. Mais especificamente, numa sociedade em que se imperam egos inflados, obcecados por selfies e curtidas frente aos espelhos negros, troca-se a afetividade pela frieza competitiva existente nas redes sociais.

Uma nova forma de configuração da subjetividade que tem necessidades impositivas socialmente de se expressar nos mais variados campos virtuais para se certificar da sua existência nesse mundo de relações mediadas pela tecnologia.

As vozes ouvidas por Jennifer, em decorrência de seu distúrbio psicológico, onde o principal sintoma se apresentava como paranoia, caracterizam-se como metáfora relacionada a diversos tipos de situações reais em que as pessoas se dispõem a se expor nas redes sociais muitas vezes para uma plateia anônima cujas vozes de aprovação e reprovação, representadas materialmente sob a forma de comentários padronizados e principalmente por símbolos infantis chamados emoticons ou emojis, soam constantemente nas suas consciências e têm servido como parâmetros para a formação das suas identidades.

Em razão da exposição realizada pelas pessoas nas redes sociais se dirigir a uma plateia e as reações apresentadas por essa última se mostrarem padronizadas, a recepção a essas reações que se constituem como vozes generalizadas e impessoais se torna difusa e diante delas as pessoas têm se submetido para incondicionalmente apresentarem seus comportamentos que por sua vez também assumirão o feitio da impessoalidade.

Com frequência, momentos de lucidez frente a essa realidade de dominação/ submissão demoram demasiadamente para aparecer, pois o controle nos meandros da internet não se apresenta de forma brutal e impositiva, contrariamente constitui-se mediante elementos profundamente sedutores e manipuladores.

Tal como foi o caso do personagem Harry que na realidade foi seduzido pelo fato de poder entrar num grupo em que disporia de todos os recursos eficazes quanto aos aconselhamentos para se conquistar uma garota. Mas, mesmo que seja gratuita a utilização da maioria dos diversos aplicativos eletrônicos,sempre há um preço a ser pago e sem dúvida muito maior do que podemos imaginar.

No momento em que Harry está no apartamento de Jennifer, ele implora enfaticamente para que os seus observadores os deixassem a sós e desconectassem os olhos Z: “Eu quero estar sozinho com ela”.

Porém, essa não era a regra do jogo, pois o consentimento na utilização desses aplicativos, na maior parte dos casos, implica na renúncia de boa parte da privacidade e a contradição se apresenta justamente no fato de que mesmo sozinho e isolado fisicamente, alguém pode saber onde e com quem você está. Certamente essa objetividade histórica tem propiciado aos mais variados tipos de paranoias transporem o plano subjetivo para se manifestarem como realidade efetiva. Continua na próxima parte.

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POR MÁRCIO SANTIM

METALHEAD

METALHEAD

Por Marcio Santim

O mundo devastado por algum tipo de catástrofe, provavelmente provocada pela atuação humana no planeta: esse é o tema apresentado no presente episódio de cunho pós-apocalíptico que se constitui como o mais curto da série Black Mirror, com 41 minutos de duração.

A trama não apresenta elementos suficientemente claros para a realização de uma análise precisa sobre o episódio, no entanto, trabalharei com algumas hipóteses interpretativas fundamentadas mais no campo subjetivo em que penso serem condizentes com as ideias sugeridas pelo autor.

Primeiramente, quando menciono a possibilidade dessa destruição em massa do planeta ter sido ocasionada pelo próprio Homem, parto da constatação do tipo de seres que começaram a dominar o mundo, caracterizados por poderosos cães robóticos repletos de dispositivos relacionados à inteligência artificial.

Grosso modo, a inteligência artificial é uma criação humana que tem potencializado os mais variados tipos de instrumentos tecnológicos que servem para ampliar o alcance e as funções dos diversos membros do corpo humano, tais como olhos, ouvidos, mãos, no sentido de substituir gradativamente por algoritmos o pensamento que estava por detrás e comandava anteriormente o funcionamento básico desses objetos.

Em outras palavras, a IA tem colaborado gradativamente e de forma acentuada para que a maior parte das atividades relacionadas ao trabalho, estudo e lazer prescindam da atuação humana para a sua realização, pois com a criação de softwares altamente complexos, é possível uma atuação cada vez mais autônoma por parte do referido tipo de inteligência.

Sem dúvida, uma preocupante realidade em que se em alguns aspectos favorece o desenvolvimento da sociedade, por outro ângulo nos tem mostrado toda a sua dimensão nociva, justamente por segregar muitas pessoas quanto ao usufruto dos seus benefícios.

Tomemos o trabalho como exemplo: quantos empregos, e importante frisar, já haviam sido eliminados com a revolução tecnológica, ainda estão para ser descartados nesse profundo e desenfreado avanço digital por que atravessamos? Não podemos sequer chamar de projeto de desenvolvimento social, algo que nem chega a contemplar quem de fato seria a maior interessada: a sociedade como um todo.

Contrariamente, exige-se daqueles que estão empregados cada vez mais sacrifícios, horas e mais horas de trabalho, constante adaptação, resiliência, a fim de retardar a sua entrada na vasta estatística de desempregados. Processo esse de grandes transformações, chamado por muitos intelectuais de novo darwinismo social, fazendo alusão ao fato de que somente uma pequena parcela da população irá sobreviver nessa selva tecnológica.

É uma grande enganação o discurso relacionado à necessidade de crescimento econômico mediante desmedidos aumentos no PIB (Produto Interno Bruto), destinados à geração de empregos, diante do tamanho da população habitante desse planeta.

Além do mais, se levarmos em conta as reduções de custos relacionadas à adoção de máquinas com IA frente a contratação de funcionários, que tem tornado a maior parte dos empregos obsoletos. Tudo isso não é de forma alguma predição, mas sim realidade facilmente constatável.

A ideia de empregabilidade é uma falácia, pois joga toda a responsabilidade nos indivíduos quanto ao fato de estarem aptos para conseguirem ou manterem o emprego em uma dinâmica empresarial aliada à IA cuja lógica funcional se caracteriza exatamente pelo seu oposto, ou seja, no incansável rastreamento de todas as atividades laborais que possam ser suprimidas ou deixadas ao encargo das máquinas.

O episódio nos traz exatamente essa perspectiva da implantação de um mundo totalmente hostil à vida humana em que observamos o império da escassez, junto às máquinas de IA que dominam e exterminam as pessoas de maneira fria e inescrupulosa.

Os animais, no caso os porcos, tal como apresentados na história, também são eliminados pelos cães robôs; a vegetação aparece seca e acinzentada. Aliás, todo o episódio é exibido em preto e branco justamente para nos sensibilizar quanto à falta de vivacidade em um mundo aniquilado de suas riquezas naturais.

A explicitação de uma crítica ecológica em que as constantes agressões sofridas pela natureza em razão do estabelecimento de práticas devastadoras voltadas para a aceleração do desenvolvimento econômico em nome da manutenção da vida dos indivíduos, contrariamente pode provocar exatamente o seu colapso, pois nesses discursos regidos por idealismos e realismos dogmáticos, esquece-se de que essas mesmas pessoas também fazem parte da natureza e necessitam dela para sobreviver.

Assim como precisamos de comida, roupas e outros objetos para podermos viver, também são a nós imprescindíveis a água e o ar respirado; elementos naturais que nenhum aparelho de IA poderá produzir o suficiente, a fim de que toda a vida na Terra seja preservada.

Certamente não chegamos ao mundo apocalíptico apresentado Metalhead, mas diante daquilo que observamos na sociedade atual, não sabemos o quanto estamos distantes de uma catástrofe generalizada que possa destruir a humanidade ou tornar a vida na Terra praticamente inviável.

Atualmente, estamos vivendo essa dramática pandemia Covid-19 causada pelo coronavírus, que já serve como um grande alerta do quanto somos frágeis diante de fenômenos naturais.

Temos urgência de repensar o modo de funcionamento social, no intuito de podermos utilizar os recursos tecnológicos disponíveis em benefício de todos e não apenas das elites que dominam a sociedade nos seus mais variados seguimentos.

Em um mundo com o grau de avanço tecnológico tal como podemos observar, a miséria pode ser considerada como uma produção genuinamente humana e por consequência depende exclusivamente de nós extirpá-la da face do planeta.

Por exemplo, o potencial tecnológico para produção agrícola poderia facilmente eliminar a fome existente no mundo mediante a produção e distribuição dos mais variados tipos de grãos.

Porém, em muitas partes do mundo, o que vemos de fato é algo sombrio tal como o clima mostrado pelo episódio. Ambientes inóspitos, sem condições mínimas de saneamento básico e higiene, destruídos por guerras ou guerrilhas; pessoas extremamente magras e desnutridas; mortalidade infantil; torturas, estupros e abusos sexuais.

É lamentável, em pleno século XXI, ainda encontrarmos esse nível de luta pela sobrevivência nos países subdesenvolvidos em que, por outro lado, muitas nações desenvolvidas viram as costas para essa trágica realidade; mas como o planeta é um habitat comum a todos os seres vivos, em algum momento as consequências da miséria social e da destruição da natureza poderão ser sentidas globalmente; trata-se apenas de uma questão de tempo.

Bella, a personagem principal do episódio, junto com dois amigos se arriscam a sair do seu esconderijo para ir num armazém abandonado, a fim de encontrar algo que havia prometido a um dos sobreviventes. Tudo nos levava supor que se tratava de alguma coisa essencial para a manutenção da vida, tais como alimentos ou suprimentos.

No entanto, as suas missões não foram bem-sucedidas em razão de terem sido atacados por um cão robótico. No final do episódio, aparece que os objetos procurados estavam dentro de uma caixa e se tratavam de ursos de pelúcia.

Provavelmente, esses brinquedos seriam destinados a alguma criança sobrevivente. Talvez de maneira tão importante quanto ao alimento que nos mantem fisicamente vivos, necessitamos também de algo que nutra a alma, que nos faça interagir com o mundo de uma forma afetiva que destoe da tonalidade acinzentada, pragmática e deprimente daquela que insistem em nos fazer acreditar que seja a essência da realidade.

Os ursos de pelúcia representam esse rompimento com aquilo que nos é mostrado como fundamental para a existência. O lado lúdico como uma forma de promoção da vida ao lado dos elementos naturais que fazem com que nosso corpo pulse e se mantenha vivo. Um pouco no sentido da música Comida, interpretada pelos Titãs, conforme trecho abaixo:

Bebida é agua
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte

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POR MÁRCIO SANTIM