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O POÇO

O POÇO

Por Marcio Santim

Sempre tenho dúvidas do quanto podem acrescentar às pessoas os filmes e outros tipos de produções cuja forma se apresenta repleta de elementos estéticos caracterizados por extrema violência em que, diante da quantidade de sangue estampado na face de seus personagens, chegamos até mesmo a achar estranho quando alguma cena não aparece impregnada pelo vermelho ou composta por corpos desfigurados.

Certamente que esse tipo de estética artística, com seus recursos tecnológicos que permitem com que a ficção se aproxime cada vez mais da realidade, tem colaborado significativamente para naturalizar a violência,tornando-nos cada vez mais insensíveis frente às barbáries deflagradas nos mais variados âmbitos da nossa sociedade.

Nesse sentido, podemos considerar a concretização dos espancamentos e sangramentos contumazes como consequência dos diversos tipos de assédios e torturas psicológicas preexistentes e silenciosas que, na maior parte das vezes, somente sinalizam a sua existência no momento em que desembocam na agressão física.

No entanto, apesar de toda a violência chocante existente no filme espanhol O poço que inclusive em termos estéticos se aproxima muito dos jogos de terror estilo survival existentes em várias plataformas de vídeo game, essa produção apresenta um caráter profundamente ambíguo em razão do conteúdo inerente à sua história nos colocar muitas questões para refletirmos, tanto em aspectos sociais quanto psicológicos.

Não cabe a mim asseverar quais foram as reais intenções do autor e produtores em amplificar esteticamente a bestialidade humana para expressar dinâmicas sócio econômicas que sedimentam diversos tipos de relações interpessoais e sociais, mas coloco uma hipótese para pensarmos: será que a nossa consciência está tão embrutecida a ponto de precisarmos constantemente de doses mais elevadas de violência para podermos nos atentar para a existência e crescimento de profundas injustiças sociais?

Em um primeiro plano, observamos que o filme realiza essa crítica social de maneira bem contundente. O poço apresenta-se como metáfora de uma sociedade cuja base econômica de funcionamento produz diversos segmentos sociais em que as diferenças são marcadas não somente pelas esperadas singularidades culturais ou individuais, mas infelizmente também por significativas desigualdades determinantes do grau de acesso aos bens materiais. No caso, bens esses que não seriam considerados supérfluos, mas exatamente aqueles essenciais para a manutenção da vida, a saber: comida e bebida.

Enquanto certas pessoas que se encontravam nos andares mais elevados do poço tinham alimentos em fartura e os desperdiçavam ao seu bel prazer, outras que ocupavam os andares inferiores recebiam os restos deixados pelas primeiras por meio de uma plataforma que se deslocava verticalmente no interior dessa prisão.

Importante frisar que as sobras dos alimentos não eram deixadas por livre e espontânea vontade das primeiras pessoas mencionadas no parágrafo anterior, mas sim devido às regras existentes nesse mundo distópico em que a plataforma se encontrava programada para permanecer apenas durante um curto período de tempo em cada andar.

As relações estabelecidas no poço também trazem à tona o grau de individualismo existente no mundo atual em que pouco importa para muitos daqueles que vivem em um patamar econômico mais elevado, o impacto das suas ações ou omissões perante aquelas pessoas mais fragilizadas na hierarquia social.

Uma noção caracterizada pelo fato de somente se ter a percepção da existência de uma realidade que se caracteriza única e exclusivamente por aquele mundo particular em que determinadas pessoas vivem. No caso do filme,esse mundo particular está representado nas dinâmicas de convívio presentes em cada andar componente do poço.

Basicamente, encontramos duas perspectivas entre a maioria das pessoas que estava naquele ambiente: a ambição de ascender aos primeiros andares e o total desprezo por aqueles que se encontravam nos níveis mais baixos, a ponto de nem se importarem se conseguiriam se alimentar para poderem sobreviver.

Porém, pelo menos em termos formais, como uma das propostas do sistema inerente ao funcionamento do poço era desenvolver nas pessoas um tipo de solidariedade espontânea, as posições por elas ocupadas nos andares não se apresentavam estáticas, ou seja, após um certo período de tempo ocorriam as suas transferências para outros andares, a fim de poderem experimentar a realidade inerente a cada um.

Dessa forma, uma mesma pessoa poderia experimentar os mais variados graus de fartura, moderação ou escassez, conforme a sua localização dentro do poço, independentemente de se ter algum controle sobre isso.

Analogicamente, é exatamente isso que ocorre na realidade devido à interferência dos mais variados fatores. Por exemplo, um empresário próspero pode vir a falir e consequentemente ter que diminuir o seu padrão de vida econômico. Outro fato, talvez menos comum, diz respeito àquelas pessoas provindas de famílias pobres que conseguiram obter um bom emprego ou montar o seu próprio negócio e tornaram-se bem-sucedidas financeiramente.

A sociedade possui as suas próprias vicissitudes que muitas vezes não dependem exclusivamente da capacidade individual para mudar de posições na hierarquia social, em termos apenas de competência ou incompetência.

Dentro do poço, as experiências interpessoais também variavam, pois quando alguém mudava de andar seguia-se também uma alteração da pessoa com quem era dividida a permanência naquele ambiente.

Agora entrarei na análise psicológica acerca do filme, que não deixa de estar relacionada àquela descrita anteriormente de ordem sociológica, porém possui outras características que podem nos auxiliar a entender tanto questões pertinentes a nossa vida pessoal quanto à dinâmica social pela qual estamos envolvidos e também somos determinados.

Vamos abstrair os comportamentos e modos de pensamentos apresentados pelos demais personagens e focar apenas no personagem principal.

Goreng adentra e desperta em um mundo diferente e a sua mente começa a trabalhar de forma similar aos mecanismos existentes na atividade onírica (sonho) em que imagens se sucedem rapidamente e algumas vezes aparecem distorcidas ou sobrepostas a outras imagens ou situações. Além disso, a realidade sempre se faz presente por meio de lampejos que remetem a determinadas situações vividas efetivamente, tal como exemplo, a entrevista realizada antes de ser aprovado para entrar no poço.

Trabalharei com a hipótese de que os personagens com quem Goreng interage no referido ambiente são projeções de aspectos existentes no seu próprio inconsciente, representando frustrações, medos, desejos, culpa;associados com representações de pessoas com que ele possa ter se relacionadona sua vida real.

As lutas sangrentas travadas por Goreng ao longo do filme, que inclusive simbolicamente representam algumas enfrentadas por todas as pessoas na sua vida,seja em termos imaginários ou concretos, são efetivamente derivadas dos seus conflitos interiores e trazem no seu âmago o anseio existente em todos para se realizar e encontrar a felicidade na vida.

Felicidade essa não aquela padronizada e derivada das receitas de auto ajuda vendidas a exaustão nos meios de comunicação de massa, mas sim aquela dimensão que somente pode ser encontrada por meio de um profundo e árduo processo de autoconhecimento, que, na maioria das vezes, implica em se ter a coragem e a persistência necessárias para enfrentar os fantasmas interiores.

No sentido da clássica música Caçador de Mim, interpretada por Milton Nascimento e outros artistas, parece ser esse o movimento psicológico do personagem:

“Nada a temer senão o correr da luta

Nada a fazer senão esquecer o medo

Abrir o peito a força, numa procura

Fugir às armadilhas da mata escura”

A ideia passada pelo filme era de que a grande maioria daquelas pessoas acreditava que a felicidade estava no fato de ser abastado materialmente e principalmente no falso conforto de saber que existia sempre alguém que se encontrava em situação mais precária, justamente porque ninguém conhecia exatamente o tamanho do poço, ou seja, onde se encontrava o seu fundo.

Esse tipo de situação gerava um certo comodismo por parte de muitos personagens, representando algumas atitudes complacentes que tomamos frente às inúmeras injustiças existentes na realidade, acreditando que somente o fato de nos encontrarmos em uma situação econômica melhor do que a de determinadas pessoas, possa ser suficiente para nos fazer felizes.

Dentro do poço, muitos dos personagens não apresentavam ter consciência quanto à falta de liberdade existente em quaisquer dos andares e por consequência, muito menos desenvolviam o ímpeto de sair daquela prisão.

Diferentemente, Goreng sempre demonstrou questionamentos quanto à quela realidade e o desejo de entender o que de fato acontecida naquele local e após tanto sofrimento visto e experimentando, acabou por se rebelar definitivamente contra o sistema para poder sair e mostrar aos funcionários que controlavam opoço a barbárie existente naquele mundo, a fim de que os demais também pudessem ser auxiliados a se libertarem.

Foi permitido a todos que entraram no poço levar algo consigo, cada um escolheu aquilo que mais lhe agradava ou que poderia lhe fornecer algum tipo de auxílio nos dias em que ficariam confinados naquele lugar. Muitas dessas pessoas levaram coisas banais em que nada as auxiliavam, entre elas: armas que somente serviam para aniquilar a vida dos outros e inclusive a própria vida; e numa cena aparece uma pessoa que tinha levado grande quantidade de dinheiro,mas estava em um andar tão abaixo em que isso não lhe servia para nada, pois a comida não chegava de forma alguma naquela profundidade.

Goreng, por sua vez, opta por levar um livro Dom Quixote de La Mancha,simbolizando o valor do conhecimento e a sua importância para auxiliá-lo a encontrar explicações para as aberrações que observava naquele mundo canibalesco.

A imersão psicológica realizada pelo personagem principal em que experimentou todos os tipos de horrores, sentidos no corpo e regurgitados pela alma, em um constante embate com as figuras fantasmagóricas projetadas no seu inconsciente, em que por fim se sobressai a dimensão sábia que consistia em lhe afirmar a importância de não se utilizar a violência para esclarecer as demais pessoas que ali estavam, mas sim fazer uso do convencimento pacífico, no intuito de legitimar a sua liderança para lhes trazer no mínimo a esperança da liberdade e saciedade.

Nesse intuito, Goreng e seu companheiro Baharat, apesar dos muitos fracassos resultantes na adoção da filosofia citada no parágrafo anterior em que precisaram utilizar a violência para controlar o avanço das pessoas sobre a comida, acabam se dispondo a tentar chegar ao fundo do poço para distribuir uma fração mínima de alimentos a todos os sobreviventes de modo a demonstrar que a comida existente seria suficiente para alimentar a todos, bastando para isso racionalidade e altruísmo.

No entanto, o aspecto sábio existente na sua psique o alerta que, além disso, seria necessário levar uma mensagem destinada àquelas pessoas que estavam do lado de fora e trabalhavam para o funcionamento do sistema existente no poço.

A princípio, Goreng resolve separar um doce panacota para simbolizar algo que poderia ser extremamente valorizado pelos funcionários do sistema, mas não tinha o mesmo valor para aqueles que estavam dentro do poço, sugerindo quemes mo pelo fato de estarem todos famintos, ninguém consumiu o precioso produto e ainda o devolveram para aqueles que o adoravam.

A mensagem: a felicidade como realização pessoal é relativa e intransferível, mesmo em condições de extremas dificuldades, fato esse em que se suprime a necessidade de se oprimir o outro ou tomar o seu lugar para que alguém possa encontrar a sua própria felicidade.

Mas ao chegar ao fim do poço, Goreng depara-se com uma criança serena aparentemente com bom estado de saúde, que o observa atentamente. Ele começa a imaginar que ela deveria estar com fome e, portanto, resolve lhe dar a panacota para comer.

Esse alimento não possuía vida, mas podia manter uma vida que seria a mensagem mais poderosa a ser enviada ao mundo externo, isto é, remeter a única criança existente no poço sã e salva por alguém que conseguiu ter a clareza que para sobreviver naquele ambiente hostil todos deveriam se unir e cooperar continuamente, apesar de todos os desesperos e aflições enfrentados.

Valeu a pena todo esse sacrifício experimentado pelo personagem? Deixo por conta da imaginação dos leitores: certamente o mensageiro ficará em algum dia nessa dimensão, em razão da sua missão chegar ao fim, mas talvez a sua mensagem nunca deixe de ser transmitida, podendo realizar alguma diferença na história da humanidade, tal como muitas mensagens fizeram e ainda continuam a fazer.

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POR MÁRCIO SANTIM

ÓCIO CRIATIVO PARTE 04

DESMISTIFICANDO ÓCIO CRIATIVO PARTE 04

Por Márcio Santim

É muito comum as pessoas pensarem que o estresse e outras formas de mal-estares psicológicos decorrem apenas das relações de trabalho, não observando o nível de qualidade presente nas atividades realizadas durante o tempo livre que lhes apresenta disponível.

Vários sentimentos comuns na sociedade atual, tais como vazio interior,tédio e angústia, revelam que alguns modos de desfrutes do ócio são de fato um simulacro de prazer, isto é, uma farsa vivida com o próprio consentimento dos indivíduos.

Frequentemente, além de todas as dificuldades inerentes aos ambientes profissionais, também retornamos frustrados ao trabalho por não sentirmos um autêntico prazer no ócio, no sentido de não encontrarmos nesse momento a felicidade esperada em troca dos sacrifícios comumente exigidos pelas relações laborais.

O alcoolismo, que por sinal tem se iniciado precocemente, as drogas, as festas Raves, bailes funks e outros entretenimentos procurados pelas pessoas a fim de “saírem de si mesmas” e do mundo que as rodeia, apresentam-se como reações mórbidas diante dais mais variadas relações sociais que não têm lhes promovido níveis de qualidade devida satisfatórios.

No fundo, constitui-se como uma atitude de desespero, de fuga frente às relações opressoras, visando um encontro idealizado com algo, tal como a felicidade que não está sendo experimentada por muitas pessoas, sem os estágios alterados de consciência, provocados pela ingestão de substâncias químicas e submissão a outros tipos de vícios.

Há um sério conflito enfrentado pelos indivíduos com relação a si mesmos.De um lado, eles são pressionados pela lógica social a acreditarem que as condições necessárias para a felicidade estão contidas nos modismos relacionados a como o ócio deve ser usufruído mediante as conquistadas realizadas diante do tempo dedicado ao trabalho, que praticamente se resumem ao fato de se ganhar dinheiro.

Por outro lado, no plano emocional e inconsciente, as pessoas intuem que tal promessa não tem sido efetivamente cumprida, despertando-lhes a necessidade de fugir dessa realidade por meio de diversos comportamentos, entre eles:entorpecendo-se mediante uso de substâncias psicoativas, comprando compulsivamente os mais variados tipos de mercadorias, passando horas e horas na frente do computador, TV, celulares e outros comportamentos que afastam a realidade da consciência ou a consciência da realidade.

Esses breves momentos de felicidade logo são superados, quer pela ressaca quer pela depressão. O paradoxo é de quanto mais automáticos esses comportamentos se manifestam e a todo custo deles desejamos escapar, mais nos enroscamos nessa teia, pois esses tipos de fuga do sofrimento para a conquistada suposta felicidade não são realizados com consciência e autonomia.

Se fossem concretizados dessa forma, tenho convicção de que não haveria tantos comportamentos destrutivos, tais como aqueles encontrados nos momentos do ócio.

Falta-nos conhecimentos sobre a irracionalidade psíquica e social existente que impregna nossos comportamentos e se encontra encoberta por uma aparente racionalidade que expõe esses fatos como se fossem normais.

Diante disso, podemos considerar que o processo de formação dos indivíduos, incluídos nele todos os meios educativos envolvidos, não tem contribuído para que eles possam desfrutar com maior liberdade as horas disponíveis fora do seu ambiente de trabalho.

Precisamos ser educados para saber como usufruir positivamente o ócio. Um dos exemplos dessa carência educacional, refere-se ao fato de existirem várias pessoas que acabam desenvolvendo quadros depressivos quando se aposentam,encarando o fim da carreira profissional como se fosse literalmente o término da vida.

Para evitar esse tipo de problema, o leque de atividades realizadas pelas pessoas durante o ócio, precisa ser ampliado no momento em que elas ainda estão exercendo as suas atividades profissionais e nunca ser realizado apenas na hora das suas aposentadorias, visto demandar certo tempo para que ocorram as adaptações necessárias diante do novo modo de vida, longe dos meios profissionais.

Outro fator responsável por essas dificuldades, refere-se à grande quantidade de tempo dedicada por alguns profissionais ao trabalho, que se estende muito além dos limites legais, ocupando as suas consciências fundamentalmente com as questões que lhe são pertinentes.

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POR MÁRCIO SANTIM

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 03

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 03

Por Marcio Santim

Domenico de Masi, sociólogo italiano, na obra O Ócio Criativo, publicada no Brasil no ano 2000, trabalha com a ideia de que o mundo contemporâneo,chamado de pós-industrial, poderia se constituir plenamente como uma sociedade fundamentada em menores jornadas de trabalho e consequentemente existiriam maiores condições objetivas para o usufruto do ócio.

Para esse autor, o grande fator responsável por essas transformações sociais seria o aguçado desenvolvimento tecnológico que: 1 – reduziria o trabalho mecânico e burocrático que passaria a ser realizado exclusivamente pelas máquinas; 2 – reduziria o tempo dedicado pelas pessoas ao trabalho,diante da alta produtividade proporcionada pelos recursos tecnológicos. Porém,já se passaram vinte anos desde a publicação dessa obra e essa maior liberdade não se tem concretizado, apesar da tecnologia avançar em ritmo intenso e veloz.

Contrariamente, observamos que apesar das gradativas extinções das mais variadas ocupações profissionais decorrentes dos avanços tecnológicos, as condições objetivas envolvidas no trabalho, tais como a carga horária e a necessidade de se estar empregado para garantir a sobrevivência, praticamente não se alteraram na maior parte dos países do mundo.

Até mesmo os repugnantes trabalhos escravo e infantil continuam existindo em pleno século XXI, a despeito da riqueza material acumulada mundialmente, que poderia eliminar todas as formas de misérias ainda existentes na face da Terra. Entre elas: fome, doenças infecciosas, falta de saneamento básico, exploração econômica etc.

Mas que, diante de fatores políticos e de interesses econômicos particulares e escusos cuja essência se caracteriza pela megalomania de alguns indivíduos acionistas ou administradores de grandes monopólios, a desigualdade social solidifica-se de forma acelerada e incessante.

Até mesmo os efeitos colaterais de retração da economia provocados pela pandemia do Coronavírus, poderiam ser minimizados a nível mundial se houvesse vontade política para isso; tanto por parte dos Estados mais ricos quanto pelas empresas de grande porte, melhores sucedidas economicamente.

Obviamente que diante de um cenário como o acima citado, falar sobre ócio criativo e muito mais de políticas educacionais que promovam uma cultura que lhe seja favorável, no sentido de ensinar as pessoas a saberem usufruí-lo, pode até parecer luxo ou até mesmo utopia.

Mas é exatamente o contrário, em razão de termos condições objetivas para que o ócio possa ser uma realidade na vida das pessoas e não mero devaneio.O que falta é esclarecimento, educação e cultura para o seu desenvolvimento e valorização. Sem dúvida que a implantação dessa visão de mundo não é tão simples, pois implica numa mudança da concepção quanto às várias relações existentes nos planos macro e micro social.

Apesar da riqueza material acumulada, o desemprego não se extinguiu e existe até mesmo em países do primeiro mundo. E agora, diante da pandemia,tende a aumentar exponencialmente. O esperado aumento do tempo livre não tem se concretizado e, em termos qualitativos, o ócio tem se tornado gradativamente reflexo do trabalho.

Antes da pandemia, de certa forma, o clima geral, embora os inúmeros infortúnios sociais, era propício ao comodismo, pois havia uma racionalidade social de que o mundo estava em ordem e o progresso desmedido, sem respeito algum pela natureza e pelas pessoas, era normal.

Respirar ares poluídos, comer alimentos com agrotóxicos, observar rios sem vida, trabalhar compulsivamente até a exaustão com o consequente adoecimento, são realidades que passaram a ser vistas pelas pessoas como a mais absoluta normalidade.

O ser humano encontra sérias dificuldades para se desvincular dessascondições opressivas, principalmente porque, em muitos aspectos, elas semostram como aparência de liberdade. Como já havia dito, atualmente, o óciotende a refletir a esfera do trabalho e nesse entrelaçamento, um fica preso aooutro, apesar de se aparentarem como fenômenos distintos.

No artigo Tempo Livre que se encontra na obra Palavras e Sinais (1995),Adorno, um dos principais pensadores da primeira geração da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt fala que o ócio está acorrentado ao seu oposto, ou seja, ao tempo dedicado ao trabalho.

Como uma das principais atividades desenvolvida no ócio é a compra,muitas vezes nesse momento, o objetivo dos indivíduos acaba vinculando-se apenas ao recarregar suas energias para o trabalho que é a sua fonte de renda,o seu meio de subsistência.

Não é por acaso que frequentemente encontramos consumidores obsessivos e compulsivos por trabalho. Na atualidade, ganhar dinheiro no trabalho a fim degastá-lo no ócio, constituem-se mandamentos universais e formam um ciclo difícil de ser rompido. Ganhar mais para poder gastar mais indiscriminadamente.

Assim, o ócio fica atrelado ao trabalho e ao consumo. Tudo vira comércio, até mesmo as brincadeiras infantis que se vinculam muito aos meios eletrônicos, tais como: vídeo games e celulares. Principalmente, no caso da utilização dos celulares, a propaganda de algum produto sempre salta na tela quando estamos nos entretendo ao navegar pelos sites da rede mundial.

O ócio infantil tem se constituído como um dos principais caminhos para o estabelecimento da obesidade nas crianças. Antigamente, tínhamos vários tiposde brincadeiras, tais como esconde-esconde, pega-pega, que eram bem mais saudáveis e importantes fatores para a prevenção da obesidade infantil, tão comum na sociedade ocidental que, em vários aspectos, é modelo da sociedade norte-americana.

E não por acaso, porque são os Estados Unidos que detém o poder sobre os grandes veículos da indústria cultural, como por exemplo, o cinema, os streaming e as redes sociais.

A compulsão por compras, tão comum na atualidade, pode ilustrar bem uma característica da indústria cultural que está estruturada em apelos emocionais de diversos gêneros. Quantos produtos são comprados sem que pelos menos apessoa pergunte a si mesma sobre as suas utilidades. Roupas que são usadas apenas uma vez e depois ficam esquecidas no armário; carros que são utilizados apenas um ano e após trocados por um modelo mais novo, apenas porque houve a alteração de um detalhe nas lanternas ou no para-choque.

No entanto, o ponto crucial é que estes modos aparentes de satisfação existentes no consumismo não geram um prazer duradouro e, menos ainda, não favorecem uma realização pessoal efetiva, em razão dessas formas efêmeras de satisfação dependerem muito da aprovação dos demais indivíduos que funcionam como uma espécie de espelho para a constituição da subjetividade.

O lema passa a ser o seguinte: para ser feliz as pessoas precisam impressionar os outros, mesmo que seja por meio da exibição de futilidades que nem mesmo para elas faz algum sentido quando se permitem refletir sobre os seus comportamentos.

Sem tal aprovação ou admiração, que modelam algumas dimensões da imagem pessoal que poderíamos chamar de status, o sujeito se desmorona e a sua máscara social não resiste, derretendo-se como o gelo. É o que acontece com muitas celebridades quando, por exemplo, deixam de ser famosas e acabam sendo esquecidas pelo público.

Conceito elaborado no ano de 1940 por Adorno e Horkheimer, para diferenciar do conceito cultura de massa que correspondia a uma cultura nascida espontaneamente de algum movimento popular.

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POR MÁRCIO SANTIM

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 02

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 02

Por Marcio Santim

Existe toda uma cultura, na maior parte dos países do mundo, em que o trabalho, mesmo no século XXI, ainda arrasta consigo princípios de dominação que atingem certos patamares, a ponto de nos permitir caracterizá-lo como uma forma de escravismo contemporâneo.

Dentro dessa lógica de exploração social em que muitas vezes fica difícil identificarmos quem efetivamente é o senhor e o servo nas intricadas redes profissionais, o ócio criativo soa como algo estranho e oposto à concepção do trabalho, quando justamente seria esse tipo de atividade que nos poderia fornecer elementos preventivos contra o adoecimento emocional relacionado às praxes laborais.

No caso dos diversos problemas psicológicos existentes, é muito prático e cômodo considerar a etiologia dessas doenças exclusivamente como disfunções orgânicas desencadeadas por incapacidades pessoais diante das adaptações necessárias frente a uma realidade altamente competitiva e consequentemente individualista.

Em um mundo que, para fazer uma estimativa grotesca, diante dos profundos avanços tecnológicos, para cada novo emprego criado concomitantemente são eliminados milhares, a competição profissional assume um caráter ímpar, pois já não tem se definido como um meio para ascensão a determinados níveis na escala social, mas sim direcionada fundamentalmente para a manutenção da própria vida mediante árduas lutas para a conquista e garantia do emprego.

Para atenuar os vários distúrbios psicológicos decorrentes dessa situação e inclusive levando-se em conta outras condições estressantes existentes no cotidiano, temos uma cultura que naturaliza a utilização de medicamentos controlados (antidepressivos, ansiolíticos) para se lidar com problemas cujas origens são sociais.

Aliás, esses tipos de drogas legalizadas são as mais comercializadas pela indústria farmacêutica. Parece fácil: a receita seria tomar um desses potentes psicotrópicos, a fim de que todos os problemas fossem resolvidos. Com isso, não são questionados os fatores sociais e culturais que contribuem significativamente para o adoecimento das pessoas, tais como as relações profissionais em que metas e mais metas são constantemente estabelecidas para serem atingidas.

A saúde mental está intimamente relacionada ao nível de qualidade de vida experimentando pelas pessoas e certamente com os tipos de relações estabelecidas no trabalho. Em razão do trabalho ocupar uma grande parte do tempo disponível aos indivíduos, a qualidade da sua dinâmica constitui-se como elemento crucial para a prevenção do surgimento das mais variadas psicopatologias.

Diante das novas realidades existentes na sociedade, principalmente no que se referem ao alto desenvolvimento tecnológico, a concepção sobre o trabalho deve ser modificada radicalmente, em decorrência tanto da importância de questões subjetivas (manutenção do bem-estar psicológico) quanto de questões objetivas (evitar o crescimento dos índices de desemprego).

O conceito tradicional de trabalho tem se tornado exponencialmente obsoleto no mundo contemporâneo e precisa ser revisto nos seus aspectos teóricos e principalmente práticos. Precisamos repensá-lo globalmente de forma em que haja espaço para todos exercerem alguma função laboral e tempo para que as pessoas possam aprender a executar as novas atividades que surgem com uma velocidade supersônica no cenário atual.

No meu modo de ver, o entendimento sobre o que é o ócio criativo, a sua valorização e posterior implantação na rotina das pessoas, pode fazer toda a diferença dentro dessa nova realidade, para fins de se evitar desgastes emocionais e fazer com que o trabalho seja desenvolvido de forma prazerosa e não como meio de sacrifício, visando unicamente a garantia da sobrevivência.

O ócio criativo pode ser implantado e desenvolvido tanto dentro quanto fora dos ambientes de trabalho e primeiramente para isso há necessidade de se dispor às pessoas de uma maior parcela de tempo livre em que possam a aprender a utilizar esse espaço de tempo para aprender coisas novas de uma forma não impositiva e obrigatória.

Uma das características fundamentais existentes no ócio criativo relaciona-se ao fato desse tipo de educação proporcionar que os mais variados interesses comecem a surgir de forma espontânea nas pessoas, no sentido de se proporem a aprender e executar determinadas atividades sem imposições alheias a sua vontade.

Essas formas de comportamentos auxiliarão as pessoas a terem uma visão mais ampla do trabalho, não somente conhecendo a sua função social, mas principalmente sentindo a respectiva importância em termos coletivos. Sem dúvida, um meio que possibilite aos indivíduos o reconhecimento dos efeitos das suas atividades não somente na sua vida particular, mas igualmente em uma dimensão geral.

O ócio, diferentemente de sua concepção corrente, é um momento sério, pois nele ocorre parte significativa da formação cultural dos indivíduos. Entretenimento, trabalho e estudo são elementos indissociáveis da cultura.

Penso os conceitos de ócio e tempo livre como sinônimos. Para fins didáticos, podemos dividir a nossa vida em três momentos distintos: 1 – sono; 2 – trabalho; 3 – ócio. O tempo dedicado por cada pessoa aos referidos momentos varia significativamente. Em termos de média, o número oito seria o denominador comum desses três momentos, uma vez que a medicina afirma que oito é a média ideal de horas a serem dedicadas ao sono e a legislação registra como limite uma jornada diária de trabalho equivalente a oito horas. Restariam assim, teoricamente, oito horas para serem dedicadas ao ócio.

No entanto, sabemos que na realidade esses números não são absolutos, pois há pessoas que trabalham dez ou doze horas. Há pessoas que têm problemas de insônia e dormem três horas e assim seguem os casos específicos. Essa é a parte quantitativa referente ao tempo dedicado ao ócio que, sem dúvida, pode interferir muito na sua qualidade.

Como foi dito anteriormente, na nossa sociedade, o termo ócio adquiriu um aspecto negativo e precisamos desmistificar tal conceito. Ócio não significa apenas ficar sem fazer coisa alguma, deitado na rede, com a barriga para cima; pode ser isso também, mas certamente não se restringe a apenas esse comportamento.

Ócio é um conceito utilizado para definir aquele momento em que se realizam atividades não vinculadas ao trabalho, com exceção do sono. Como veremos em seguida, é um conceito extremamente plástico, maleável que não deve ser pensado de maneira abstrata e absoluta, isto é, deve ser analisado dentro de todo um contexto histórico, cultural e pessoal.

O momento trabalho, utilizado em termos conceituais para diferenciá-lo do ócio, está direta ou indiretamente vinculado a atividades economicamente produtivas, ou seja, uma atividade voltada fundamentalmente para a sobrevivência. Dessa forma, o trabalho doméstico não pode ser considerado ócio, pois se o marido trabalha fora e a mulher realiza os serviços domésticos ou vice-versa, o serviço realizado dentro do lar, contribui para a manutenção da família.

Assim sendo, se o casal trabalhasse fora, haveria a necessidade de se pagar alguém para realização do serviço doméstico. Tal argumento vale ainda mais se considerarmos a chamada dupla jornada em que muitas mulheres são obrigadas a enfrentar todos os dias por questões financeiras. Trabalhando fora e dentro de casa, o ócio fica seriamente comprometido.

Por outro lado, as diversas formas de trabalho voluntário realizadas pelas pessoas por caridade e prazer, sem vínculos empregatícios, podem ser consideradas como ócio criativo. Apesar de muitas vezes haver exigências quanto ao cumprimento de horários e obrigações, realiza-se o trabalho por livre e espontânea vontade.

Na próxima parte, falarei um pouco sobre o ócio criativo segundo a visão do sociólogo italiano Domênico De Masi.

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POR MÁRCIO SANTIM

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 01

DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 01

Por Marcio Santim

Há algum tempo atrás, o ócio era considerado algo totalmente desvinculado do trabalho ou até mesmo o seu oposto, em razão de ser tratado como sinônimo de preguiça e de improdutividade.

Atualmente, temos algumas teorias filosóficas e práticas de gestão adotadas por algumas empresas que retratam uma visão completamente diferente com relação às posições tradicionais nos seguintes termos: o ócio criativo pode e deve ser estimulado, mediante políticas adequadas de gestão, como modo comportamental de suma importância para que o funcionário desempenhe as suas atribuições de forma mais efetiva diante da estimulação de sua criatividade, constituindo-se simultaneamente como um meio para se alcançar melhorias na qualidade de vida pessoal.

Como exemplo, podemos citar o estilo de gestão empregado pela Google que disponibiliza 30 % do tempo de serviço atribuído aos seus funcionários para atividades relacionadas ao ócio. Nesse sentido, a filosofia dessa e de outras empresas é de que o tempo investido para o usufruto do ócio reflete positivamente no desempenho profissional.

A principal razão disso é que o foco obsessivo no trabalho provoca uma sobrecarga psíquica no indivíduo, não lhe permitindo o relaxamento necessário para que a sua consciência possa assimilar melhor ideias ou encontrar vias alternativas para a solução de diversos problemas enfrentados pelas organizações.

Um dos resultados nesse foco desmedido nas atividades profissionais que faz a vida pessoal ficar totalmente submetida aos ditames do trabalho, está no aparecimento de diversos tipos de problemas psicológicos, entre eles: transtornos depressivos e de ansiedade em que ainda nesses casos há forte probabilidade para se des dobrarem na Síndrome de Burnout.

Grosso modo, o conceito dessa síndrome foi elaborado na década de 1980 pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger para caracterizar um estado de esgotamento físico e mental experimentando por diversos trabalhadores em razão da constante pressão a que eram expostos nas relações de trabalho; inclusive, muitas vezes estimulada por diversas formas de assédio moral presentes nos ambientes profissionais em que pairavam sobre a cabeça dos subordinados constantes ameaças de demissão ou outros tipos de repreensões, caso determinadas metas produtivas não fossem atingidas.

Atualmente, fala-se muito a respeito do tema e se faz bem pouco para melhorar efetivamente as condições envolvidas no ambiente de trabalho e que são, sem sombra de dúvida, uma das principais causas de adoecimento psíquico.

A princípio, o estresse não deve ser considerado doença, mas sim uma condição psicológica e fisiológica que se mantiver constante, a ponto de se tornar crônica, poderá desencadear diversos tipos de problemas psicossomáticos nas pessoas.

Enquanto o estresse funcionar como sinal de alerta diante de determinadas ameaças que podem ser tanto de ordem física quanto psíquica, tal estado possui uma função positiva na vida dos indivíduos por apontar que algo não está indo bem e, portanto, de alguma forma precisa ser evitado ou resolvido, a fim de se precaver contra o aparecimento de infortúnios mais graves futuramente.

Na realidade, o elemento desafiador para o êxito das ciências sociais e biológicas, relaciona-se ao fato de que a maioria dos trabalhadores tem pouco domínio sobre as condições estressantes presentes no seu ambiente de trabalho e ficam à mercê de uma hierarquia de comandos em que, muitas vezes, nem sequer é possível identificar a sua origem, isto é, a cadeia de comando é tão grande que extravasa determinados ambientes de trabalho, perpassando pelas dimensões micro e macro social.

Há uma constante pressão nos diversos tipos de ambientes de trabalho onde todos se sentem coagidos, independentemente do nível hierárquico ocupado. Quanto às condições que causam estresse no trabalho, já estamos cansados de ouvir e não haveria muito a acrescentar a título de informação, porém temos muitas coisas a serem mudadas efetivamente para auxiliar em uma melhora significativa no nível de qualidade de vida apresentado pelas pessoas.

No próximo artigo, citaremos alguns desses elementos.

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POR MÁRCIO SANTIM

PRÉVIA LANÇAMENTO LIVRO “TELAS SOMBRIAS”

Por Márcio Santim

Uma análise psicosocial da séria Black Mirror

‍Sem dúvida que a maioria das pessoas em algum momento da atualidade chegou a ouvir alguém mencionar a expressão “isso é muito black mirror!”

Mas qual seria efetivamente o seus ignificado? A princípio, penso que a ideia transmitida remeta a alguns elementos bizarros trabalhados por essa série britânica de grande sucesso mundial, que apesar de se constituir como ficção ,assemelha-se bastante a diversas situações existentes na vida real, mais especificamente quanto àquelas relacionadas ao uso indiscriminado de aparelhos eletrônicos e aplicativos computacionais por parte do grande público.

O livro Telas Sombrias trará uma análise completa da série Black Mirror no que diz respeito aos seus aspectos psicossociais presentes no nosso cotidiano. Alguns, entre muitos, dos temas trabalhados são os seguintes: inteligência artificial, redes sociais, intimidade, racismo, meritocracia, ideologia de gênero, vícios eletrônicos etc.

Aguardem!

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POR MÁRCIO SANTIM

FILME 100 METROS!

100 METROS!

Por Márcio Santim

Esse filme baseado em fatos reais traz alguns importantes elementos para o analisarmos quanto aos seus aspectos motivacionais em que a vontade de superação pessoal prevalece sobre os limites impostos por acontecimentos negativos sucedidos durante a vida.

100 metros é uma produção cinematográfica luso-espanhola de grande sucesso mundial dirigida por Marcel Barrena cuja estreia ocorreu na Espanha em 2016 e traz a história verídica enfrentada pelo publicitário Ramón Arroyo que aos 35 anos de idade recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla.

O ator Dani Rovira interpreta Ramón que como tantas outras pessoas na atualidade possuía enorme obsessão pelo trabalho, altos níveis de estresse, e hábitos sedentários enraizados em seu cotidiano.

Ramón começa a notar em si algumas alterações motoras envolvidas na execução de simples atos, tais como segurar um garfo ou amarrar um tênis. A partir disso, submete-se a diversos exames médicos para detectar as razões dessas anomalias que lhe começam a causar preocupações.

O diagnóstico não tarda a ser estabelecido e para sua indignação, tratava-se de uma séria doença neurológica degenerativa para a qual não havia cura, mas sim apenas alguns tratamentos paliativos destinados para retardar a sua evolução.

Imediatamente, Ramón começa a realizar as terapias indicadas ao caso, mas a sua médica o alerta sobre a gravidade da doença e que seus exames apontavam para a possibilidade de ocorrer sintomas ainda mais sérios do que os apresentados por ele naquele momento.

Durante a terapia em grupo, um dos pacientes, revoltado com a sua doença, diz para Ramon que o seu futuro seria marcado pela utilização de cadeira de rodas e que em breve ele nem sequer conseguiria caminhar a distância de 100metros.

Esse cenário nem um pouco animador delineado pelo seu companheiro de terapia permaneceu martelando na cabeça de Ramon, convertendo a caminhada dessa distância no seu primeiro obstáculo a ser superado, a despeito de todas as limitações motoras apresentadas.

Com o apoio da sua esposa e de seu sogro, Ramón, além de começar a fazer os tratamentos convencionais, resolve de maneira obstinada a se preparar para enfrentar um enorme desafio: participar e concluir o Ironman, uma prova de extrema resistência física e mental que consiste em nadar 3,8 km; pedalar 180 km e correr 42 km.

Após vários desentendimentos tidos com o seu sogro que era professor de educação física, eles acabam se conciliando e estabelecendo uma espécie de pacto de confiança, relacionado ao fato de que a persistência por parte de Ramón em realizar seus treinamentos, apesar da sua grave condição clínica, seria fundamental para que ele alcançasse o seu objetivo de terminar essa dificílima prova.

Sem dúvida que um dos fatores que motivou Ramón a executar tal empreendimento foi enfrentar a alarmante perspectiva de num futuro bem próximo permanecerem cadeira de rodas e não chegar sequer conseguir caminhar a distância de 100metros.

É interessante observarmos como as reações das pessoas perante prognósticos trágicos podem se apresentar de formas completamente distintas.

Seria até de se esperar que para a maioria dos indivíduos, um parecer médico extremamente negativo como esse se equivalesse a uma sentença de morte, provocando neles quadros depressivos em que a estagnação ou o desespero certamente apareceriam como consequências emocionais negativas.

Porém, há pessoas, tal como foi o caso de Ramón, que conseguem lidar comesse problema de modo completamente diferente, fazendo com que situações como essas se tornem o estopim para uma revolução pessoal, no sentido de tudo ser possível mediante vontade, dedicação e perseverança; até mesmo enfrentar os limites estabelecidos pela ciência, a debilidade física e a descrença das pessoas que estão a sua volta.

Na realidade, temos mínimas ideias sobre os patamares que a nossa consciência e, por decorrência, nossos comportamentos podem nos levar. Até onde a mente pode despertar os processos de cura inerentes ao nosso organismo biológico, seja por meio da fé, da automotivação, da força de vontade e de outros impulsos psíquicos.

Do ponto de vista psicológico, um elemento essencial a ser citado diz respeito ao fato dessas pessoas conseguirem mudar totalmente o foco da sua atenção. Em vez delas ficarem pensando apenas sobre a doença que as acometem, as suas visões se expandem e centralizam-se naquilo que desejam realizar naquele momento, olvidando-se inclusive de supostos empecilhos que amiúde emergem diante de seus caminhos.

Após essa etapa, apresenta-se como indispensável traçar todo o planejamento necessário para que os seus objetivos possam ser perseguidos e alcançados. E para isso, é muito importante o apoio do meio que está ao redor do paciente, tal como no caso do filme em que a atuação do sogro de Ramón foi essencial para o seu êxito pessoal.

Muitas vezes, infelizmente, ocorre o contrário nesses tipos de situações, pois as pessoas mais próximas apresentam comportamentos que expressam exclusivamente sentimentos de compadecimento, que podem ser tomados por aqueles que estão enfrentando algum tipo de doença como se fossem a legitimação da sua incapacidade para desenvolver determinadas atividades consideradas normais pela sociedade.

Em outras palavras, além de enfrentarem as limitações decorrentes de certos acometimentos patológicos, os enfermos ainda têm que superar os diversos tipos de barreiras sociais que se impõem constantemente frente às suas metas de superação.

No entanto, se essas pessoas permanecerem apenas no plano do desejo e do planejamento, as possibilidades de se frustrarem se tornam iminentes. Assim, é necessário ir além, dar o passo decisivo para se atingir os seus objetivos que é a práxis (ação); executar aquilo que foi ardentemente desejado e minuciosamente planejado.

É importante mencionar que para a ação se tornar possível também será imprescindível continuar quebrando as várias barreiras e estigmas sociais existentes. A luta é contínua, com batalhas sendo vencidas de forma árdua e gradativa.

Frequentemente também ocorrem imprevistos e infortúnios que fazem com que haja necessidade de novos e contínuos replanejamentos por parte de todos os envolvidos no empreendimento, inclusive dispondo-se ao árduo trabalho de recomeçar tudo a partir do início da caminhada.

O perfil psicológico desses indivíduos tem mostrado que diante de cada nova dificuldade surgida, a motivação e o desejo de superação aumentam exponencialmente, existindo pouco espaço para sentimentos de desânimo e frustração.

Mas gostaria de salientar que de modo geral apenas consideramos e valorizamos o resultado final da missão. No caso do filme que não deixa de ser uma realidade representada, o clímax está no fato do telespectador ver Ramón cruzar a linha de chegada e conquistar o seu objetivo.

E no cotidiano, na maior parte das situações, também temos fortes tendências para apenas olharmos e valorizarmos a conquista. Quase nunca focamos nossa atenção para os processos, os investimentos e sacrifícios inerentes para que alguém conseguisse atingir algum objetivo ou concretizar determinado sonho.

Além disso, praticamente passa despercebido o início de qualquer jornada, ou seja, o momento em que determinada pessoa se propõe a percorrer os seus primeiros 100 metros, que a princípio pode até parecer irrisório, mas pergunto ao leitor sobre quantas vezes deixamos de iniciar uma jornada em razão do comodismo de não nos dispormos a mudar rotinas, formas de pensar e de experimentara vida.

Sim é preciso muita coragem e determinação para dar os primeiros passos. Talvez, em um primeiro momento, até mesmo o planejamento possa ser abolido, mas de forma alguma podem ser dispensados o desejo e o ímpeto que se desdobram na iniciativa comportamental.

Ao observar demais as etapas e tentar antecipar todos os processos envolvidos para se atingir os objetivos estabelecidos, há grande possibilidade de as pessoas desanimarem antes de começarem a busca pelos seus sonhos, permanecendo imóveis na linha de largada.

Tudo deve ser realizado de forma gradual e em razão das variáveis envolvidas não serem estáticas, o planejamento deve estar presente não apenas nos 100 metros iniciais, mas ao longo de toda a jornada. Para que qualquer planejamento seja bem-sucedido devem haver constantes reavaliações, consequentes replanejamentos e a disposição para recomeçar quando necessário.

A ansiedade para se atingir o mais cedo possível determinadas metas estabelecidas somente atrapalha as pessoas, fazendo com que abandonem precocemente a prova que se dispuseram a participar.

Nesse sentido, é muito comum o suposto fracasso ocorrer logo no início da prova; seja por se largar rápido demais no afã de chegar imediatamente ao destino, queimando a largada; seja por nem sequer conseguir largar em razão de se ter gasta toda a energia emocional disponível, antecipando demasiadamente os hipotéticos percalços a serem encontrados pelo caminho.

Por conta disso, o título desse filme demonstra a sua grande pertinência, pois na realidade o elemento decisivo que impulsionou Ramon a se superar para obter a sua grande vitória pessoal, não foi inicialmente a conclusão de uma prova de Ironman, mas o seu ímpeto e mérito em enfrentar uma limitação aparentemente simples: percorrer os simbólicos 100 metros e depois disso, porque não? Um “pouquinho” mais…

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POR MÁRCIO SANTIM

DEATH TO 2020 (2020 NUNCA MAIS) PARTE1

DEATH TO 2020 (2020 NUNCA MAIS) PARTE1

Por Márcio Santim

E vamos começar o ano com a análise de mais um filme produzido pelos criadores da série Black Mirror, Charlie Brooker e Annabel Jones. Apesar de “2020 Nunca Mais” ser considerado pertencente ao gênero humorístico, elaborando uma retrospectiva cômica quanto a vários acontecimentos sucedidos no ano que leva o seu título, subjaz em sua narrativa uma crítica contundente em relação à forma como alguns governantes lidaram com os principais fatos marcantes desse ano, entre eles: a pandemia; o racismo e a destruição da natureza.

Considerando-se o conteúdo apresentado, inicialmente podemos objetar quanto ao exagero na focalização de questões particulares envolvendo principalmente os EUA e o Reino Unido, apesar de ter como pano de fundo a pandemia e a situação vivida por outras nações, mas sempre colocando como protagonistas históricos os principais políticos desses citados países.

Do ponto de vista direcionado para uma análise crítica relativa ao ano de 2020, sem dúvida que para podermos compreendê-lo de maneira mais realista, também precisamos considerar vários episódios ocorridos em outras partes do mundo que foram tão importantes quanto àqueles sucedidos nos EUA, que naturalmente acabaram se destacando sob os holofotes da mídia em razão de seu poderio econômico e influência cultural exercidos a nível mundial.

Entre outros fatos importantes desse fatídico ano, podemos citar: o drástico crescimento do desmatamento na Amazônia, que mesmo devido à gravidade do impacto ambiental gerado, ocupou modesto espaço no jornalismo mundial; as formas como a China, o primeiro epicentro da pandemia, e a Coréia do Sul lidaram com esse problema para evitar com que a doença se espalhasse pelos seus países. Porém, essas ocorrências não aparecem no filme e a meu ver, além de outras, são tão importantes quanto àquelas expostas exaustivamente por ele, tal como a turbulenta eleição presidencial norte americana.

Feitas essas ponderações, parto agora para algumas importantes reflexões suscitadas pelo filme que, grosso modo, levando-se em conta a forma como os fatos foram destacados na retrospectiva poderíamos traduzi-los conforme o seguinte dito popular: “é rir para não chorar”.

Dentro da arte, seja no cinema ou na literatura, a ironia foi utilizada frequentemente como recurso para a realização de questionamentos frente ao existente. Um modo para despertar a consciência do telespectador e do leitor perante algum elemento sério constante na realidade mediante figuras de linguagens amenas e engraçadas que num primeiro momento tivessem o potencial de causar risos para, logo após, uma vez percebida a presença da crítica quanto aos fatos apresentados, provocassem incômodos e inconformismos nas pessoas frente aos mais variados tipos de situações por elas experimentadas.

Assim sendo, o filme objeto desse artigo percorre exatamente esse trajeto narrativo por meio da atuação de personagens cômicos que representam de maneira caricaturada alguns tipos de tendências comportamentais marcantes do mundo contemporâneo.

Entre esses personagens interpretados por atores famosos, encontramos: alguns profissionais (jornalista, psicóloga, historiador, cientista, youtuber); a presença da realeza britânica; uma porta voz não oficial do governo estadunidense; e um ambicioso empresário bilionário.

Além desses ícones conhecidos dentro do filme pelo grande público, ainda aparecem uma figura anônima, sem notoriedade alguma, e outra simplória que possui uma visão de mundo fundamentada apenas naquilo que é difundido nas redes sociais, acreditando piamente em conteúdos com grandes indícios de se constituírem como fake news.

Os comentários feitos por cada um desses personagens diante dos principais fatos ocorridos em 2020 representam alguns tipos de comportamentos clichês apresentados pelos mais diferentes segmentos sociais existentes no mundo real, que fundamentalmente diante da superficialidade e da parcialidade inerentes aos seus posicionamentos, tornam de certa forma os seus discursos muito parecidos entre si ao se estruturarem em bolhas polarizadas, independentemente de suas profissões e classes sociais.

Começando pelo cientista que sob a égide científica especula algumas hipóteses absurdas, sem bases plausíveis, sobre a origem do vírus provocador da Covid 19 que supostamente, segundo a sua teoria, havia surgido de morcegos.

Essa é uma crítica que pode ser feita a alguns meios acadêmicos e também à própria Organização Mundial da Saúde que durante o início da pandemia no afã de prestar explicações à sociedade quanto ao que efetivamente estava ocorrendo com relação à expansão mundial desse problema sanitário, acabou por cometer sérios erros, inclusive no sentido de divulgação das informações quanto à prevenção da doença.

Lembremo-nos que o uso de máscara demorou um pouco para ser reconhecido pela referida instituição como um meio preventivo eficaz, além do fato de a Covid19 ser considerada tardiamente como uma pandemia.

Nos pronunciamentos desse personagem também transparece um pouco da arrogância presente em determinados meios científicos, representada na sua essência por acirradas disputadas ideológicas que tentam impor uma roupagem de veracidade para diversas questões em que muitas vezes não há elementos suficientemente testados para a comprovação das hipóteses levantadas.

Por outro lado, algumas vezes, encontramos algumas evidências clínicas nas práticas médicas, mas que em decorrência de interesses econômicos não lhes são dados muitos créditos, no intuito de se divulgar certas descobertas ou constatações para a população.

Assim sendo, surgem mais monólogos do que diálogos entre posições científicas divergentes. Comunicações essas que poderiam ser fundamentais para fazer com que a ciência avançasse e consequentemente resolvesse vários problemas que afligem cotidianamente as pessoas e não apenas impor certas correntes de pensamento que se tornam hegemônicas e legítimas dentro da sociedade.

Saindo desses debates presentes nos meios acadêmicos, que sem dúvida envolvem muitos interesses alheios aos fins genuinamente científicos, tal como a compreensão efetiva quanto às raízes de determinados problemas, entramos na esfera propriamente política em que a principal crítica colocada pelo filme diz respeito à uma forte presença do negacionismo na sociedade.

Referido termo tem sido bastante utilizado na atualidade para apontar várias tendências sociais reacionárias, sendo trabalhadas pelo filme sob diversos aspectos.

No caso da pandemia, significa basicamente a tendência obsessiva demonstrada por alguns chefes de Estado e pessoas comuns para negarem o potencial patogênico e transmissivo do vírus Sars-cov2, apesar de todas as evidências e alertas realizados por diversos pesquisadores das universidades mais respeitáveis do mundo sobre a sua gravidade.

Uma negação que se desenvolveu tanto a ponto de se converter em mais uma negação feita por esses próprios governantes, a fim recuperarem algum grau de confiabilidade política. Em outras palavras, posteriormente esses mesmos governantes começaram a negar aquilo que eles próprios haviam afirmado anteriormente com relação ao fato de a doença não se constituir como algo sério e que a vida poderia continuar sendo levada normalmente, sem preocupação alguma, como se nada mais grave estivesse acontecendo. Nesse tipo de atitude estaria envolvido algum tipo de transtorno psicológico ou seria de fato a manifestação de uma descarada hipocrisia?

Somente a compreensível e devida preocupação com a economia, principalmente aquela relativa aos países mais pobres, não justifica tamanho descaso com os governados, pois em vez de se atenuar a profunda crise financeira advinda em muitos países, entre eles o Brasil, acabou por posterga-la e intensifica-la de modo a tornar a saída desse precipício uma tarefa épica.

Tempos sombrios que ensejam reminiscências medievais em que a esse tipo específico de negacionismo se juntam outros em voga, entre eles: a crença difundida em alguns meios eletrônicos e religiosos de que a Terra não é redonda, mas plana, apesar de todas as imagens registradas no espaço e do conhecimento acumulado a séculos; a ideia de que não há aquecimento global, a despeito de todas as medições realizadas diariamente em várias partes do planeta, das imagens gravadas por satélites e das constantes tragédias ambientais decorrentes do superaquecimento global, alertadas incessantemente pelos cientistas etc.

Continua na próxima parte!!!

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POR MÁRCIO SANTIM

DEATH TO 2020 (2020 NUNCA MAIS) PARTE2

2020 NUNCA MAIS
(DEATH TO 2020) – PARTE 2

Por Márcio Santim

Dando sequência a nossa análise sobre o filme, no seu final ainda temos a apresentação de mais um tipo de negacionismo,  bem comum nos meios políticos, no momento em que a porta-voz não oficial do governo norte-americano ao constatar a derrotado atual presidente, imediatamente começa a desdizer todos os seus pronunciamentos anteriores em defesa do republicano, dando um giro de 360 graus na  sua superficial inclinação ideológica, tal como se troca de roupa, a fim de começar a elogiar de forma extremamente bajuladora o democrata vencedor.

Referida atitude assemelha-se demais aos comportamentos apresentados por políticos que abandonam facilmente qualquer “ideologia” quando lhe são fornecidos algum tipo de vantagem pessoal por aqueles que ocupam o poder num determinado momento. O chamado “fazer política” se revela como numa barganha infindável realizada nos balcões de negócio espalhados em diversas instituições públicas.

No caso da polêmica envolvendo as vacinas desenvolvidas para o combate da Covid-19, pudemos observar vários políticos brasileiros que se declaravam totalmente contra a Coronavac, mas que, contraditoriamente, logo após o início da sua aplicação no país se colocaram como favoráveis e, mais do que isso, ainda tiraram fotos e fizeram marketing em cima daquilo que criticavam com tanta veemência.

Observamos também a negação da existência do racismo que foi bastante mencionada no filme, tomando como base o assassinato de George Floyd cometido por um policial em Minneapolis – EUA. Para ilustrar esse tipo de comportamento, temos a entrevista concedida por um professor de história sobre os protestos que estavam ocorrendo naquele país por conta do mencionado crime, onde ele de certa forma inverte a questão racial ao comentar os cartazes espalhados nos protestos que registravam a seguinte frase: “vidas negras importam”.

Para ele, essa frase se caracterizava como racista, pois segundo a sua visão todas as vidas importavam e não apenas aquelas pertencentes às pessoas negras. Bem, pode-se considerar uma concepção bem rasa, ainda mais provindo deum intelectual, pelo fato de se ater apenas ao texto literal e não ao contexto social em que a frase se encontrava inserida.

Óbvio que no sentido atribuído à mencionada frase, a palavra “TAMBÉM” estava implícita e não foi explicitada justamente para chamar a atenção frente a perpetuação das diferenças raciais, isto é, enquanto todas as vidas deveriam importar, a realidade tem se mostrado bem diferente desse ideal, considerando-se todas as evidências históricas e dinâmicas relacionais que apontam para a persistência desses tipos de discriminação, além da violência e exploração exercidas contra as pessoas negras em decorrência das marcas deixadas por um longo processo de escravidão a que foram submetidas.

Além disso, encontramos com certa frequência no filme, a apresentação das mais variadas falsidades relacionadas àquelas questões que poderíamos chamar de politicamente corretas. Para exemplificar, temos a figura de um empresário bilionário que formalmente nos seus discursos apoia a preservação do meio ambiente, mas que na prática age de forma contrária, visando o seu contínuo enriquecimento, a despeito dos malefícios causados no planeta em razão de empreendimentos grandiosos e extremamente gananciosos que exploram inescrupulosamente suas riquezas naturais.

O apoio às causas humanitárias e as caridades despendidas por esses tipos de pessoas funcionam exclusivamente como recurso de marketing e servem fundamentalmente para promover a sua imagem pessoal e consequentemente o seu reconhecimento público.

Além dele, podemos observar os comportamentos apresentados pelo personagem youtuber, sempre engajado em questões polêmicas que de algum modo alcançaram grande notoriedade pública e geraram diversos celeumas nos debates cotidianos.

O objetivo desse profissional era extrair o máximo proveito dessas situações envolvendo comoções provenientes das massas, mas sempre se mantendo ao lado da opinião pública majoritária para poder alavancar ainda mais o seu canal na internet e assim conquistar um número cada vez maior de seguidores.

Essa é uma característica de personalidade superficial e volátil, capaz de fazer com que a pessoa se adapte aos mais variados tipos de situações, não importando o que ela realmente sente e pensa sobre determinados fatos, mas sim as tendências de aprovação e de reprovação apontadas pelo termômetro social naquele exato momento.

Nesse clima de sensibilização coletiva, surge uma enxurrada de solidariedades, tais como aquelas demonstradas pelo youtuber ao apoiar o protesto contra o racismo, que, como disse anteriormente, atuam muito mais no intuito de promover a sua imagem pessoal perante o público do que a apresentação de críticas contundentes que possibilitem efetivas transformações sociais.

Com relação a quantos problemas existentes no mundo, nem a mídia, nem as celebridades, nem as pessoas comuns voltam seus olhares. Entre eles: as diversas epidemias que assolam o continente africano; a perpetuação da fome e outros tipos de miséria espalhadas por diversas partes do mundo que aniquilam diariamente milhares de pessoas em pleno século XXI etc.

Pode se atentar leitor para o efeito manada desses tipos de questões em que com a mesma velocidade que surgem sob os holofotes da grande mídia, geralmente também desaparecem; não pelo fato de os problemas terem sido resolvidos, mas em razão dos meios de comunicação se focarem conjuntamente em outros tipos de acontecimentos eleitos arbitrariamente como prioritários e se esquecendo completamente dos demais problemas existentes.

Infelizmente, os modismos acabam compondo a pauta jornalística e outros canais das redes sociais de forma a deixarem de lado questões essenciais que nem sequer foram minimamente solucionadas.

Além desses modismos, ainda encontramos uma impregnação de parcialidades no sentido de como as notícias são divulgadas pelo jornalismo, atendendo essencialmente a interesses particulares bem distintos da sua função social que seria informar o público.

Por mais que tivesse razão em muitos de seus comentários, o personagem representando o jornalista revela uma visão limitada frente a interpretação dos fatos, pois não abre espaços para o debate entre profissionais com posições distintas e fundamentadas diante das problemáticas apontadas.

Essa tendência tem sido bem comum no jornalismo atual, visto não haver debates profícuos que promovam efetivos entendimentos sobre diversos acontecimentos marcantes da época em que estamos vivendo. Apesar de programas desse gênero reunirem diversos profissionais, tratam-se muito mais de estabelecimentos de monólogos em que todos defendem sempre uma única posição, com raras variações de visões diante dos fenômenos observados.

O reflexo disso está no constante estabelecimento de bolhas sociais sedimentadas no ódio e na ignorância, relativas a posicionamentos fragmentados e acríticos que colaboram significativamente para a formação de ideias preconceituosas e outros tipos de radicalismos que em nada contribuem para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade.

Isso torna a credibilidade da informação divulgada pelos meios de comunicação no mínimo questionável, pois ao tentarem impor uma concepção hegemônica dos fatos, sem espaço para que o telespectador possa pensar e formar suas próprias convicções, eles contribuem para a implantação de uma terrível forma de autoritarismo mediante a manipulação da consciência dos indivíduos.

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COMO SEGUIR RETO EM LINHAS CÍCLICAS E TORTAS? PARTE 1

COMO SEGUIR RETO EM LINHAS CÍCLICAS E TORTAS? PARTE 1

Por Jairo Maurano Machado

Hodiernamente, a discussão sobre a garantia da participação das pessoas com deficiências na vida em sociedade tem ganhado bastante destaque, face as inúmeras tensões que se agregam nessa temática. Se na educação se discute qual seria o lugar ideal para educá-las, no campo do trabalho algumas políticas foram criadas para lhes assegurar postos de trabalho.

Na realidade, toda essa discussão está imbricada com um direito muito mais básico, correspondente no efetivo exercício da cidadania por uma grande parcela da população que, por séculos, tem seus direitos cerceados e vilipendiados simplesmente por fatores ligados a questões metafísicas, religiosas, biologizantes e até mesmo culturais e sociais.

Se na Antiguidade ou no período medieval as pessoas com deficiências eram consideradas bênçãos da Providência divina ou seres dominados pelo demônio, atualmente elas são compreendidas, de modo geral, como um grupo de segunda classe, dependente e sem nenhum valor, e aqui se entenda valor econômico. Dessa construção seria possível extrair algumas indagações.

Primeiramente, é de se notar que, no aspecto histórico, não se verifica uma linearidade entre uma e outra concepção sobre as pessoas com deficiências. Sugere-se que o que há, na verdade, é uma única estrutura que se modifica apenas por contextos que a tangenciam, como as evoluções tecnológica, econômica, cultural e social.

É evidente que a humanidade se desenvolve ao longo do tempo e com ela tudo aquilo que está ao redor, mas intenciona-se aqui acreditar que algumas estruturas ainda permanecem, como justamente aquela estabelecida no que diz respeito à participação social das pessoas com deficiências. Resta saber, a partir dessa indagação, qual o motivo que justifica a manutenção dessa estrutura. No entanto, o que se pretende aqui vai além do que responder, e sim, evidenciar e frisar algumas dessas questões.

Nesse sentido, outro ponto que merece destaque é o fato de as pessoas com deficiências sempre ocuparem nesse cenário a posição de terceira pessoa. Não é raro ler e ouvir que “às pessoas com deficiências é necessário garantir proteção de seus direitos”. De modo algum se pretende dizer que a elas não cabem direitos, mas quais direitos? Ditos por quem? Por elas mesmas?

Ao que se vê, somente nos últimos anos é que ganhou espaço a compreensão de que esses direitos e garantias só podem ser discutidos pelas próprias pessoas com deficiências. Ora, nada mais esperado do que construir um sistema de proteções a partir das discussões feitas por esse próprio grupo.

Caminhar nessa perspectiva é o equivalente a entender que as pessoas com deficiências não são coadjuvantes de suas próprias vidas, mas sim, as verdadeiras e legítimas protagonistas. Não à toa que a convenção Internacional sobre os direitos das Pessoas com deficiência, publicada pela ONU em 2007, traz em seu bojo a ideia do “nothing for us without us” (nada sobre nós sem nós).

Provavelmente, seja essa a mais importante inovação no tocante à garantia promovida pelo Estado sobre o exercício da cidadania pelas pessoas com deficiências. Em vez de dar voz, é necessário também escutar. Daí que decorre a importância de se ocupar o tão famigerado lugar de fala. Nada adiantaria permitir a fala sem que houvesse o interlocutor.

E mais que isso, não basta simplesmente haver quem fale e/ou escute, é preciso passar da abstração para a concretude. É necessário que essas falas se tornem direitos moral e positivada mente garantidos.

Como dito anteriormente, se toda essa discussão permeia diversos aspectos da sociedade, inclusive o cultural, é também este aspecto que será utilizado para ilustrar todo esse percurso, que de linear nada tem. Afinal, se a arte imita a vida, deve reproduzi-la em todas as suas formas.

Partindo dessa proposta, vale mencionar aqui a primeira das obras cinematográficas que servirão de base para ilustrar as indagações anteriormente explicitadas. Trata-se do filme o Homem elefante, de 1980, que narra a trajetória de um homem que tem a maior parte de seu corpo deformado e, por conta disso, é exibido como aberração em circos e espetáculos, até que um médico o encontra, retira-o desse ambiente e passa a tutelá-lo.

Dessa breve descrição já se pode inferir ao menos aquelas primeiras concepções acerca das pessoas com deficiências, a metafísica e a teológica, pois ora John Merrick (John Hurt) é visto como um monstro, ora recebe atenção do dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins), que numa postura caritativa o acolhe.

E a partir do momento em que essas pessoas, segundo a visão teológica, são consideradas filhos de Deus, é necessário que elas, agora, passem a seguir determinados comportamentos, do que decorre a necessidade do castigo, do isolamento e da segregação.

Surge, então, comisso a visão médica e patológica acerca da deficiência. Se antes as pessoas não eram acolhidas por serem endemoniados, agora, na condição de seres cristãos, devem ser isolados e segregados da sociedade, pois afinal o convívio coletivo seria um preço muito alto a se pagar. Isso se ilustra no acolhimento feito pelo Dr. Treves, em que Merrick ainda é mantido isolado e segregado da sociedade à medida que sua trajetória se desenvolve no contexto do hospital.

Entretanto, esse acolhimento oferece paralelamente outra compreensão, qual seja, da educabilidade das pessoas com deficiências. Soma-se então às concepções metafísica, médica e patológica a perspectiva pedagógica.

E novamente retomando as indagações propostas anteriormente, outra passagem do filme que vale ser frisada é aquela em que se descobre que Merrick se expressava bem, ainda que com certa dificuldade de falar, assim como era bastante habilidoso com confeccionar dobraduras baseado na imaginação e nas memórias que possuía.

Por essa passagem é possível inferir algumas situações. A primeira delas é de que até então os deficientes, a despeito de toda a evolução que parte do abandono da visão deque eram coisas para assumir a condição de seres humanos filhos de deus, ainda eram objetificados. Veja-se que as capacidades de John Merrick geram grand esurpresa para Frederick Treves.

Questiona-se, a partir disso, se de fato houve algum tipo de superação daquelas concepções oriundas da antiguidade e da Idade Média. Parece mais prudente afirmar que, na realidade, essas ideias coexistem até os dias atuais, configurando uma certa sensação de atemporalidade. E com essas ideias muitas outras são consequências, como a ignorância e o preconceito. Nesse sentido, válido então assumir que não há linearidade, mas apenas contextos distintos que conservam as mesmas estruturas.

E ao menos dois outros trechos do filme retratam uma espécie de questionamento ético feito pelo Dr. Treves; o primeiro deles feito por ele próprio, ao questionar para sua esposa se sua conduta não seria a mesma do dono do circo onde vivia Merrick; o segundo momento que indica esse questionamento parte da enfermeira do hospital, ao demonstrar para o médico seu descontentamento em relação à exposição que John estava sofrendo por conta das visitas que recebia de pessoas estranhas.

Todo esse quadro vai culminar numa superexposição de Merrick, o que vai estimulá-lo a fugir e, em seguida, a ser perseguido por algumas pessoas. É neste momento, em que John é acuado por essas pessoas e se vê obrigado a bradar que também é um ser humano, o que demonstra o que vem ocorrendo ao longo da história: o fato de as pessoas com deficiência não serem ouvidas.

Até mesmo a forma do discurso em que isso é proposto traz a ideia de que as concepções já descritas ainda estão presentes hoje em dia. Como salientado anteriormente, não é raro ouvir que é preciso “dar voz às pessoas com deficiência”, quando, na verdade, voz elas já possuem. Dir-se-ia então que as pessoas com deficiência “precisam ser ouvidas”, do que se denota uma postura que ainda implica uma iniciativa focada nas próprias pessoas com deficiência, excluindo e ocultando a real necessidade, no sentido de que a atitude de ouvir deve partir, sim, da sociedade também.

Em outras palavras, é necessário ressignificar as visões, aqui entendidas como equivocadas, de que “é preciso dar voz” ou de que “as pessoas com deficiência devem ser ouvidas” e reconhecer que a sociedade necessita, e muito, ouvir antes de formular quaisquer concepções.

Provavelmente o quadro nos dias atuais seja bastante diferente e tenha evoluído de algum modo, especialmente quando se tem em vista a perspectiva biopsicossocial, adotada por diversos documentos internacionais e nacionais, tais como a Convenção da ONU de2007 e, no plano nacional, a Lei Nº 13.146/2015, a Lei Brasileira  de Inclusão (LBI).

Por essa perspectiva, afasta-se a definição de deficiência de conceitos metafísicos e/ou biomédicos e passa-se a indicar que limitações existentes na sociedade fazem parte daquela definição. Retira-se a centralidade da deficiência sobre quem a possui e articula-se essa questão com outros fatores, como a existência de barreiras de várias origens (arquitetônica, comunicacional, tecnológica e atitudinal) e o consequente oferecimento de proposta de sua eliminação.

A deficiência, então, deixa de ser compreendida como uma lesão, um defeito, um desvio que alguém possui. Ela é entendida, agora, como um conjunto de fatores existentes no ambiente que podem dificultar e até mesmo impedir a participação da pessoa na vida em sociedade e, consequentemente, exercer sua cidadania. Não se trata mais então de uma característica física que a pessoa apresenta, mas dos obstáculos que dificultam a participação social dessa pessoa por conta daquela característica.

Continua na próxima parte em que discutiremos mais sobre a perspectiva biopsicossocial das deficiências.

Retomando a discussão colocada na primeira parte do artigo, toda a construção da perspectiva biopsicossocial deriva do movimento denominado de Disability Studies ,constituído por teóricos inicialmente oriundos da Inglaterra. Os estudos deste grupo deram origem ao modelo social da deficiência, segundo o qual se evidenciaa influência social sobre a definição de deficiência, pautada nas relações de exercício do poder de classes dominantes sobre as dominadas, especialmente como avanço do sistema capitalista, uma vez que a deficiência é preponderantemente entendida como uma tragédia, um desvio da norma.

Nesse sentido, todo aquele que não atenda a um determinado padrão imposto pelo capitalismo é considerado um ser desviante. Todavia esse raciocínio apresenta algumas falhas. A primeira delas é que a imposição desse padrão vem justamente pela minúscula parcela da sociedade que possui o poder, isto é, pela classe dominante. É ela quem dita o que é a norma e o que é o desvio.

Em segundo lugar, a deficiência, assim vislumbrada como fruto socialmente estabelecido, tem como consequência a rotulação de atributos aqueles que a possuem, isto é, além das características biológicas e/ou físicas oriundas de alguma lesão, a pessoa acaba por ser rotulada pela sociedade por alguma atribuição correlacionada com aquelas características, seja de ordem corpórea ou funcional. Sugerir-se-ia, inclusive, que esse estabelecimento de relações é que dá sustentação ao capacitismo.

Seguindo esse pensamento, infere-se que a deficiência é atualmente compreendida como um processo de opressão social, em que as pessoas com deficiências estão sujeitas a consequências que vão muito além da lesão que lhes acomete, haja vista que a própria sociedade, supostamente perfeita, a todo momento lhes impõe inúmeros obstáculos, tanto de ordem arquitetônica, quanto comunicacional ou mesmo atitudinal.

E novamente lançando mão da sétima arte, vale citar o filme Hasta La Vista, rodado na Bélgica, em2012. Ele retrata a aventura de três jovens deficientes que pretendem fazer uma viagem à Espanha para se divertirem. Contudo, o desafio dos garotos tem início já no âmbito de suas famílias. Em uma dada cena , percebe-se claramente a noção de opressão social, à medida que a decisão sobre como a viagem deve ocorrer parte dos pais e não dos próprios jovens.

Evidencia-se, pois, a necessidade dos garotos de superarem esse primeiro obstáculo, qual seja, conquistar a autonomia sobre como gostariam de conduzir a viagem. Mas ao longo do filme essa “conquista” vai sendo apresentada, seja pela própria vontade dos três protagonistas, seja por questões alheias, como por exemplo a troca de uma van perfeitamente adaptada às necessidades de cada um por uma outra cujas condições de funcionamento são bastante duvidosas.

Dessas passagens verifica-se um dos grandes desafios impostos às pessoas com deficiências em suas vidas, já mencionados anteriormente, a luta por direitos, a conquista por autonomia e liberdade, o direito de protagonismo sobre suas próprias vidas. Retoma-se então o quanto proposto na primeira parte do artigo.

De outra parte, é válido mencionar que, relativamente a essa luta por autonomia e independência, alguns pequenos avanços vêm sendo percebidos. Cite-se, por exemplo, o advento do instituto jurídico denominado de Tomada de Decisão Apoiada (TDA), previsto pela LBI.

Por essa nova figura jurídica, constante no Código civil brasileiro de 2002, ainda que a pessoa com deficiência necessite de auxílio na tomada de decisão durante a prática dos atos da vida civil, ela poderá indicar, por sua livre manifestação de vontade, quais as pessoas de quem deseja apoio. Com isso, aquilo que antes era entendido como regra no sistema jurídico brasileiro relativamente à capacidade civil das pessoas com deficiências tornou-se a exceção.

Se antes essas pessoas estavam sujeitas a sofrerem processos de interdição para serem curateladas, hoje a autonomia de vontade é presumida, de modo que o auxílio é que se configura como exceção e assim só será solicitado por vontade da própria pessoa.

Mas em uma situação ou em outra é visível que a deficiência infelizmente ainda é tida como tragédia, como defeito, como desvio, o que acarreta diversas consequências para as pessoas que compõem esse grupo, face a opressão social a que estão submetidas, seja para fazer uma simples viagem, seja para a prática de atos mais solenes.

Isso também acontece por conta do quanto já comentado anteriormente, relativamente a ausência de linearidade. Se assim o fosse, momentos de ruptura e de quebra de paradigmas seriam percebidos. Contudo, o que se verifica é a coexistência das concepções já citadas e, eventualmente,  a predominância de algumas delas, por mais perversas que sejam.

Ainda que  a visão pautada em um viés de caráter biopsicossocial seja muito mais adequada que aquelas noções teológicas e médico-patológicas, a possibilidade de coexistência de todas essas visões impõem alguns cuidados: necessário verificar se o novo discurso de fato corresponde à realidade; justamente em razão disso é necessário também sempre ter em mente a formulação de um auto-questionamento ético no sentido de saber se as atitudes dos indivíduos estão correspondendo as suas falas; e finalmente, mais que isso tudo, é preciso ouvir.

É importante também haver uma preocupação constante acerca dos processos que garantam às pessoas com deficiências o protagonismo sobre sua própria trajetória. Na verdade, muito mais que “garantir a essas pessoas”, é preciso que elas mesmas participem dessas discussões (nothing for us without us). Somente assim é que estarão legitimada se empoderadas para lutar pelo seu espaço no convívio social, para eliminar o constante processo de invisibilização que vêm sofrendo e, finalmente, para garantir o seu pleno e efetivo exercício da cidadania.

Sobre o autor

Jairo Maurano Machado é graduado em direito pela Universidade de Sorocaba – UNISO(2011). Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto verbo Jurídico (2020) e é servidor público do Judiciário Trabalhista da 15ªRegião desde 2011 (TRT15). Atualmente é mestrando do Programa de pós-graduação em educação Especial da universidade Federal de São Carlos (PPGEES UFSCAR).

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POR MÁRCIO SANTIM