IAPPF

2020 NUNCA MAIS
(DEATH TO 2020) – PARTE 2

Por Márcio Santim

Dando sequência a nossa análise sobre o filme, no seu final ainda temos a apresentação de mais um tipo de negacionismo,  bem comum nos meios políticos, no momento em que a porta-voz não oficial do governo norte-americano ao constatar a derrotado atual presidente, imediatamente começa a desdizer todos os seus pronunciamentos anteriores em defesa do republicano, dando um giro de 360 graus na  sua superficial inclinação ideológica, tal como se troca de roupa, a fim de começar a elogiar de forma extremamente bajuladora o democrata vencedor.

Referida atitude assemelha-se demais aos comportamentos apresentados por políticos que abandonam facilmente qualquer “ideologia” quando lhe são fornecidos algum tipo de vantagem pessoal por aqueles que ocupam o poder num determinado momento. O chamado “fazer política” se revela como numa barganha infindável realizada nos balcões de negócio espalhados em diversas instituições públicas.

No caso da polêmica envolvendo as vacinas desenvolvidas para o combate da Covid-19, pudemos observar vários políticos brasileiros que se declaravam totalmente contra a Coronavac, mas que, contraditoriamente, logo após o início da sua aplicação no país se colocaram como favoráveis e, mais do que isso, ainda tiraram fotos e fizeram marketing em cima daquilo que criticavam com tanta veemência.

Observamos também a negação da existência do racismo que foi bastante mencionada no filme, tomando como base o assassinato de George Floyd cometido por um policial em Minneapolis – EUA. Para ilustrar esse tipo de comportamento, temos a entrevista concedida por um professor de história sobre os protestos que estavam ocorrendo naquele país por conta do mencionado crime, onde ele de certa forma inverte a questão racial ao comentar os cartazes espalhados nos protestos que registravam a seguinte frase: “vidas negras importam”.

Para ele, essa frase se caracterizava como racista, pois segundo a sua visão todas as vidas importavam e não apenas aquelas pertencentes às pessoas negras. Bem, pode-se considerar uma concepção bem rasa, ainda mais provindo deum intelectual, pelo fato de se ater apenas ao texto literal e não ao contexto social em que a frase se encontrava inserida.

Óbvio que no sentido atribuído à mencionada frase, a palavra “TAMBÉM” estava implícita e não foi explicitada justamente para chamar a atenção frente a perpetuação das diferenças raciais, isto é, enquanto todas as vidas deveriam importar, a realidade tem se mostrado bem diferente desse ideal, considerando-se todas as evidências históricas e dinâmicas relacionais que apontam para a persistência desses tipos de discriminação, além da violência e exploração exercidas contra as pessoas negras em decorrência das marcas deixadas por um longo processo de escravidão a que foram submetidas.

Além disso, encontramos com certa frequência no filme, a apresentação das mais variadas falsidades relacionadas àquelas questões que poderíamos chamar de politicamente corretas. Para exemplificar, temos a figura de um empresário bilionário que formalmente nos seus discursos apoia a preservação do meio ambiente, mas que na prática age de forma contrária, visando o seu contínuo enriquecimento, a despeito dos malefícios causados no planeta em razão de empreendimentos grandiosos e extremamente gananciosos que exploram inescrupulosamente suas riquezas naturais.

O apoio às causas humanitárias e as caridades despendidas por esses tipos de pessoas funcionam exclusivamente como recurso de marketing e servem fundamentalmente para promover a sua imagem pessoal e consequentemente o seu reconhecimento público.

Além dele, podemos observar os comportamentos apresentados pelo personagem youtuber, sempre engajado em questões polêmicas que de algum modo alcançaram grande notoriedade pública e geraram diversos celeumas nos debates cotidianos.

O objetivo desse profissional era extrair o máximo proveito dessas situações envolvendo comoções provenientes das massas, mas sempre se mantendo ao lado da opinião pública majoritária para poder alavancar ainda mais o seu canal na internet e assim conquistar um número cada vez maior de seguidores.

Essa é uma característica de personalidade superficial e volátil, capaz de fazer com que a pessoa se adapte aos mais variados tipos de situações, não importando o que ela realmente sente e pensa sobre determinados fatos, mas sim as tendências de aprovação e de reprovação apontadas pelo termômetro social naquele exato momento.

Nesse clima de sensibilização coletiva, surge uma enxurrada de solidariedades, tais como aquelas demonstradas pelo youtuber ao apoiar o protesto contra o racismo, que, como disse anteriormente, atuam muito mais no intuito de promover a sua imagem pessoal perante o público do que a apresentação de críticas contundentes que possibilitem efetivas transformações sociais.

Com relação a quantos problemas existentes no mundo, nem a mídia, nem as celebridades, nem as pessoas comuns voltam seus olhares. Entre eles: as diversas epidemias que assolam o continente africano; a perpetuação da fome e outros tipos de miséria espalhadas por diversas partes do mundo que aniquilam diariamente milhares de pessoas em pleno século XXI etc.

Pode se atentar leitor para o efeito manada desses tipos de questões em que com a mesma velocidade que surgem sob os holofotes da grande mídia, geralmente também desaparecem; não pelo fato de os problemas terem sido resolvidos, mas em razão dos meios de comunicação se focarem conjuntamente em outros tipos de acontecimentos eleitos arbitrariamente como prioritários e se esquecendo completamente dos demais problemas existentes.

Infelizmente, os modismos acabam compondo a pauta jornalística e outros canais das redes sociais de forma a deixarem de lado questões essenciais que nem sequer foram minimamente solucionadas.

Além desses modismos, ainda encontramos uma impregnação de parcialidades no sentido de como as notícias são divulgadas pelo jornalismo, atendendo essencialmente a interesses particulares bem distintos da sua função social que seria informar o público.

Por mais que tivesse razão em muitos de seus comentários, o personagem representando o jornalista revela uma visão limitada frente a interpretação dos fatos, pois não abre espaços para o debate entre profissionais com posições distintas e fundamentadas diante das problemáticas apontadas.

Essa tendência tem sido bem comum no jornalismo atual, visto não haver debates profícuos que promovam efetivos entendimentos sobre diversos acontecimentos marcantes da época em que estamos vivendo. Apesar de programas desse gênero reunirem diversos profissionais, tratam-se muito mais de estabelecimentos de monólogos em que todos defendem sempre uma única posição, com raras variações de visões diante dos fenômenos observados.

O reflexo disso está no constante estabelecimento de bolhas sociais sedimentadas no ódio e na ignorância, relativas a posicionamentos fragmentados e acríticos que colaboram significativamente para a formação de ideias preconceituosas e outros tipos de radicalismos que em nada contribuem para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade.

Isso torna a credibilidade da informação divulgada pelos meios de comunicação no mínimo questionável, pois ao tentarem impor uma concepção hegemônica dos fatos, sem espaço para que o telespectador possa pensar e formar suas próprias convicções, eles contribuem para a implantação de uma terrível forma de autoritarismo mediante a manipulação da consciência dos indivíduos.

CADASTRE-SE AGORA PARA RECEBER EM PRIMEIRA MÃO A SERIE BLACK MIRROR

POR MÁRCIO SANTIM