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DESESPERO PELO SALVADOR DA PÁTRIA

Por: Marcio Santim

Parte do presente do título “salvador da pátria”, que inclusive nos remete a uma telenovela apresentada pela rede globo de televisão no final dos anos 80, nos diz respeito a muitas coisas sobre nosso atual estado mental bem como da organização social em que estamos inseridos, tendo em vista que as duas instâncias, particular e coletiva, são interdependentes. É impressionante o número de soluções miraculosas vendidas com o intuito de, hipoteticamente, resolver todos os tipos de problemas que assolam as pessoas do mundo inteiro. Tais soluções variam desde remédios tidos como panaceias destinadas à cura das mazelas enfrentadas pela humanidade até a comercialização de figuras proféticas preconizadoras de receitas simplicistas voltadas à conquista do paraíso terreno.

Hoje em dia, perdeu-se completamente a noção de que problemas pessoais possuem essências sociais. E tal fato pode ser considerado como uma das principais razões de estarmos tão indefesos diante do arcabouço de armadilhas existentes na sociedade contemporânea. Em outras palavras, quanto mais mergulhamos no nosso Eu (ego), acreditando que o êxito depende exclusivamente das próprias capacidades pessoais, mais criamos o nosso destino fadado a um possível fracasso, pois sozinhos praticamente não somos nada. Basta lembrar a infância do ser humano que por genialidade do “destino” o colocou em uma posição entre as mais dependentes do “outro” se comparada com demais seres vivos. Ou seja, não conseguimos sobreviver sem os cuidados de alguém.

De certa forma, quando atingimos a idade adulta e acreditamos cegamente que podemos tudo, estamos, na realidade, mantendo-nos emocionalmente na menoridade. O desenvolvimento, em termos pessoais, depende essencialmente do meio que nos rodeia. Educação é aprender a viver socialmente, reconhecer os nossos limites e potencialidades dentro do meio que nos cerca. Reconhecer o outro como alguém que ao mesmo tempo é diferente e igual a mim. O pensamento lógico a que somos fortemente submetidos mediante o processo educacional, geralmente exclui ideias opostas e por isso não abre espaço para o pensamento dialético que contrariamente contempla referidas concepções.

Estamos vivendo em um meio totalmente polarizado em que sempre surge um sujeito se apresentando como o símbolo da verdade, com intuito de aglutinar fiéis para serem seus devotos. A polarização é inimiga do pensamento em razão de não considerar e aceitar o diferente. Seu lema é o seguinte: Reconheça-se apenas no momento em que se sinta representado por uma figura que lhe dê suporte aos seus pensamentos, por mais absurdos que lhes aparentam ser.

Por isso, que é tão fácil vender livros de autoajuda e a imagem de figuras messiânicas que supostamente trazem soluções para todos os tipos de problemas enfrentados pelas pessoas. E, por incrível que pareça, as pessoas não têm noção do quanto são comuns os problemas enfrentados por elas no seu cotidiano. Além disso, contraditoriamente, as alternativas para sua resolução são sempre idênticas e pensadas a nível individual. Como podem ser iguais as soluções vendidas pelos livros de autoajuda se as pessoas são diferentes? Por mais impiedosa que seja a massificação, as pessoas, quer em menor ou maior grau, sempre manterão sua individualidade.

Nesse sentido, somos desmobilizados a agir politicamente. A política, que era para ser pública, tornou-se efetivamente privatizada, moeda de troca, tanto para o eleitor quanto para o eleito. O que varia é o preço pago que pode variar desde uma cesta básica até à conquista de um alto cargo público.

Nunca a sociedade foi tão exposta a heróis quanto na atualidade. Basta observar a quantidade de filmes desse gênero produzido por Hollywood cujas realidades vivenciadas pelos superes heróis são mescladas com fragilidades humanas a fim de se passar uma mensagem familiar e comum aos telespectadores, facilitando a sua identificação com tais tipos de figuras.

Tudo isso passa-nos a ideia de que precisamos de “super-humanos” para nos iluminar, mas que ao mesmo tempo não sejam tão diferentes de nós. Na realidade, não precisamos de heróis ou de iluminados, mas sim da união de pessoas comuns em busca de um bem comum dentro desse sistema em que vivemos, chamado sociedade. Sociedade, cada vez mais, caracterizada como um conceito estranho às pessoas em razão de não conseguirem mais nela se reconhecerem. Quando veneramos a figura do herói ou do salvador da pátria rechaçamos de certa forma a chance de nos dar o direito de sermos pessoas comuns e exatamente, por tal condição, com o poder de traçar o seu próprio destino.