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DESMISTIFICANDO O ÓCIO PARTE 03

Por Marcio Santim

Domenico de Masi, sociólogo italiano, na obra O Ócio Criativo, publicada no Brasil no ano 2000, trabalha com a ideia de que o mundo contemporâneo,chamado de pós-industrial, poderia se constituir plenamente como uma sociedade fundamentada em menores jornadas de trabalho e consequentemente existiriam maiores condições objetivas para o usufruto do ócio.

Para esse autor, o grande fator responsável por essas transformações sociais seria o aguçado desenvolvimento tecnológico que: 1 – reduziria o trabalho mecânico e burocrático que passaria a ser realizado exclusivamente pelas máquinas; 2 – reduziria o tempo dedicado pelas pessoas ao trabalho,diante da alta produtividade proporcionada pelos recursos tecnológicos. Porém,já se passaram vinte anos desde a publicação dessa obra e essa maior liberdade não se tem concretizado, apesar da tecnologia avançar em ritmo intenso e veloz.

Contrariamente, observamos que apesar das gradativas extinções das mais variadas ocupações profissionais decorrentes dos avanços tecnológicos, as condições objetivas envolvidas no trabalho, tais como a carga horária e a necessidade de se estar empregado para garantir a sobrevivência, praticamente não se alteraram na maior parte dos países do mundo.

Até mesmo os repugnantes trabalhos escravo e infantil continuam existindo em pleno século XXI, a despeito da riqueza material acumulada mundialmente, que poderia eliminar todas as formas de misérias ainda existentes na face da Terra. Entre elas: fome, doenças infecciosas, falta de saneamento básico, exploração econômica etc.

Mas que, diante de fatores políticos e de interesses econômicos particulares e escusos cuja essência se caracteriza pela megalomania de alguns indivíduos acionistas ou administradores de grandes monopólios, a desigualdade social solidifica-se de forma acelerada e incessante.

Até mesmo os efeitos colaterais de retração da economia provocados pela pandemia do Coronavírus, poderiam ser minimizados a nível mundial se houvesse vontade política para isso; tanto por parte dos Estados mais ricos quanto pelas empresas de grande porte, melhores sucedidas economicamente.

Obviamente que diante de um cenário como o acima citado, falar sobre ócio criativo e muito mais de políticas educacionais que promovam uma cultura que lhe seja favorável, no sentido de ensinar as pessoas a saberem usufruí-lo, pode até parecer luxo ou até mesmo utopia.

Mas é exatamente o contrário, em razão de termos condições objetivas para que o ócio possa ser uma realidade na vida das pessoas e não mero devaneio.O que falta é esclarecimento, educação e cultura para o seu desenvolvimento e valorização. Sem dúvida que a implantação dessa visão de mundo não é tão simples, pois implica numa mudança da concepção quanto às várias relações existentes nos planos macro e micro social.

Apesar da riqueza material acumulada, o desemprego não se extinguiu e existe até mesmo em países do primeiro mundo. E agora, diante da pandemia,tende a aumentar exponencialmente. O esperado aumento do tempo livre não tem se concretizado e, em termos qualitativos, o ócio tem se tornado gradativamente reflexo do trabalho.

Antes da pandemia, de certa forma, o clima geral, embora os inúmeros infortúnios sociais, era propício ao comodismo, pois havia uma racionalidade social de que o mundo estava em ordem e o progresso desmedido, sem respeito algum pela natureza e pelas pessoas, era normal.

Respirar ares poluídos, comer alimentos com agrotóxicos, observar rios sem vida, trabalhar compulsivamente até a exaustão com o consequente adoecimento, são realidades que passaram a ser vistas pelas pessoas como a mais absoluta normalidade.

O ser humano encontra sérias dificuldades para se desvincular dessascondições opressivas, principalmente porque, em muitos aspectos, elas semostram como aparência de liberdade. Como já havia dito, atualmente, o óciotende a refletir a esfera do trabalho e nesse entrelaçamento, um fica preso aooutro, apesar de se aparentarem como fenômenos distintos.

No artigo Tempo Livre que se encontra na obra Palavras e Sinais (1995),Adorno, um dos principais pensadores da primeira geração da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt fala que o ócio está acorrentado ao seu oposto, ou seja, ao tempo dedicado ao trabalho.

Como uma das principais atividades desenvolvida no ócio é a compra,muitas vezes nesse momento, o objetivo dos indivíduos acaba vinculando-se apenas ao recarregar suas energias para o trabalho que é a sua fonte de renda,o seu meio de subsistência.

Não é por acaso que frequentemente encontramos consumidores obsessivos e compulsivos por trabalho. Na atualidade, ganhar dinheiro no trabalho a fim degastá-lo no ócio, constituem-se mandamentos universais e formam um ciclo difícil de ser rompido. Ganhar mais para poder gastar mais indiscriminadamente.

Assim, o ócio fica atrelado ao trabalho e ao consumo. Tudo vira comércio, até mesmo as brincadeiras infantis que se vinculam muito aos meios eletrônicos, tais como: vídeo games e celulares. Principalmente, no caso da utilização dos celulares, a propaganda de algum produto sempre salta na tela quando estamos nos entretendo ao navegar pelos sites da rede mundial.

O ócio infantil tem se constituído como um dos principais caminhos para o estabelecimento da obesidade nas crianças. Antigamente, tínhamos vários tiposde brincadeiras, tais como esconde-esconde, pega-pega, que eram bem mais saudáveis e importantes fatores para a prevenção da obesidade infantil, tão comum na sociedade ocidental que, em vários aspectos, é modelo da sociedade norte-americana.

E não por acaso, porque são os Estados Unidos que detém o poder sobre os grandes veículos da indústria cultural, como por exemplo, o cinema, os streaming e as redes sociais.

A compulsão por compras, tão comum na atualidade, pode ilustrar bem uma característica da indústria cultural que está estruturada em apelos emocionais de diversos gêneros. Quantos produtos são comprados sem que pelos menos apessoa pergunte a si mesma sobre as suas utilidades. Roupas que são usadas apenas uma vez e depois ficam esquecidas no armário; carros que são utilizados apenas um ano e após trocados por um modelo mais novo, apenas porque houve a alteração de um detalhe nas lanternas ou no para-choque.

No entanto, o ponto crucial é que estes modos aparentes de satisfação existentes no consumismo não geram um prazer duradouro e, menos ainda, não favorecem uma realização pessoal efetiva, em razão dessas formas efêmeras de satisfação dependerem muito da aprovação dos demais indivíduos que funcionam como uma espécie de espelho para a constituição da subjetividade.

O lema passa a ser o seguinte: para ser feliz as pessoas precisam impressionar os outros, mesmo que seja por meio da exibição de futilidades que nem mesmo para elas faz algum sentido quando se permitem refletir sobre os seus comportamentos.

Sem tal aprovação ou admiração, que modelam algumas dimensões da imagem pessoal que poderíamos chamar de status, o sujeito se desmorona e a sua máscara social não resiste, derretendo-se como o gelo. É o que acontece com muitas celebridades quando, por exemplo, deixam de ser famosas e acabam sendo esquecidas pelo público.

Conceito elaborado no ano de 1940 por Adorno e Horkheimer, para diferenciar do conceito cultura de massa que correspondia a uma cultura nascida espontaneamente de algum movimento popular.

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POR MÁRCIO SANTIM