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NÃO OLHE PARA CIMA

Por: Marcio Santim

Um filme classificado como comédia, mas que tem o potencial de nos trazer importantes reflexões sobre algumas conturbadas situações existentes na atualidade.

Com esse comentário síntese sobre o filme “Não Olhe para Cima” de Adam Mckay, lançado em 2021 nos EUA, convido o leitor a pensarmos sobre algumas questões por ele suscitadas que nos levam, sem muitos esforços, a nos identificarmos com determinados comportamentos que têm exercido grande impacto na vida das pessoas.

A metáfora utilizada pelo filme para expor tais tipos de questões diz respeito a descoberta por dois astrônomos anônimos de um cometa com grandes proporções e potencial de destruição, que se encontra em rota de colisão com a Terra num curto espaço de tempo equivalente a seis meses.

No entanto, o foco da mensagem transmitida pela produção não se refere à proximidade dessa calamidade em que se não forem envidados esforços com a maior urgência possível aniquilará a vida em todo o planeta, mas sim na forma como as pessoas pertencentes a diferentes extratos sociais reagem a esse tipo de informação estarrecedora.

Podemos fazer analogias com diferentes aspectos presentes no mundo atual, mas no meu modo de ver e até mesmo pelo histórico ativista do protagonista Leonardo Di Caprio, o principal alvo dessa película cinematográfica está na crítica sobre como a crise ambiental instalada no planeta tem sido administrada tanto pelas autoridades quanto pela própria sociedade.

Apesar de algumas controvérsias científicas a respeito do tema, eu particularmente compartilho da ideia quanto à existência dos efeitos nocivos relativos ao contínuo processo de destruição da natureza e penso que as ações pertinentes para atenua-los já deveriam ter seu início de planejamento e execução a um bom tempo atrás.

Porém, se considerarmos algumas das tecnologias que dispomos nos dias atuais e desde que sejam empregadas com racionalidade, moral e ética, certamente ainda será possível a médio e longo prazo mitigar ou até mesmo afastar totalmente essa crise.

Com relação a esse ponto, o filme já apresenta no seu início, talvez aquele que seja o maior empecilho para salvação do planeta e de seus habitantes: interesses políticos escusos que na grande maioria das vezes aparecem atrelados e colocados a serviço de objetivos privados, voltados unicamente para sustentar a ordem econômica vigente.

Nessa ficção, as ações prioritárias a serem tomadas pela presidente dos EUA e que provavelmente também seriam semelhantes com relação a qualquer chefe de outro Estado, não se fundamentam no fato de se criar meios para evitar a ocorrência da catástrofe, mas sim em tentar extrair o máximo proveito desse tipo de situação, seja em termos de favorecimento da imagem política ou de ganhos financeiros.

Como podemos observar no desenrolar da história, os comportamentos dos dirigentes políticos variam conforme os seus contextos de atuação vão se modificando em decorrência das diversas contingências que se apresentam. Num primeiro momento, quando não é conveniente para as autoridades políticas reconhecer a gravidade da iminente tragédia, sucede-se por parte delas uma negação diante da proximidade do colapso comprovado pelos astrônomos.

Posteriormente, no momento em que a mídia começa a divulgar massivamente um escândalo sexual relativo à figura do candidato à presidência representante do mesmo partido em que a atual presidente pertencia, esse tipo de conduta negacionista se modifica drasticamente.

A estratégia utilizada pelo partido, incansavelmente vista no mundo real, foi desviar a atenção do público para uma outra questão só que agora bem mais relevante quando comparada aos interesses das pessoas pelos detalhes referentes à vida privada do político, a saber: o contundente reconhecimento da gravidade da situação por que todas as pessoas estavam prestes a atravessar e certamente sucumbirem caso nenhuma atitude fosse tomada.

Apropriando-se da mídia como a sua principal aliada, o núcleo político passa a utilizar-se de todos os recursos disponíveis a ela para disparar o pânico na população, acompanhados de uma receita teoricamente infalível para a resolução do problema, temperada com grandes porções de heroísmo e patriotismo, exaltando a imagem do atual governo como o salvador da pátria.

Por ser um reconhecimento oficial, o governo consegue convencer a massa quanto à iminência da calamidade e com isso resgatar a sua popularidade. E desde que a estratégia elaborada para salvar a Terra obtivesse êxito, o seu partido representante estaria consolidado novamente no Poder mediante a legitimação pública sendo que, por sua vez, o escândalo sexual haveria caído completamente no esquecimento das pessoas.

Pelo lado psicológico, o mais importante a frisar é o quanto essa ânsia pelo poder transvestida de racionalidade no sentido de estar sedimentada em formas de comportamentos normatizados socialmente cujas bases são os imperativos econômicos, está imersa na irracionalidade em razão de toda auto destrutividade por ela gerada.

O egoísmo exacerbado em que as pessoas não reconhecem as demais como seres humanos semelhantes a si e contrariamente as convertem como objetos para a satisfação de desejos pessoais mesquinhos, enfraquece os indivíduos como seres potenciais de transformação social, pois a história mostrou que os avanços em todos os setores da vida, bem mais que os retrocessos, somente foram possíveis mediante engajamentos e atuações coletivas.

Então, quando alguém tenta de alguma maneira anular as outras pessoas tanto em termos objetivos quanto subjetivos, há significativa possibilidade desse sujeito ser prejudicado posteriormente porque em um mar turbulento como é a vida, seria uma ilusão acreditar na possibilidade de remar sozinho dentro de um barco cujo motor em algum momento poderá falhar durante a travessia.

Tal como mostrado no filme, essas formas de individualismos contumazes resultam em contínuos movimentos de exclusão social onde somente aquelas pessoas integrantes de determinados extratos sociais ou círculos restritos possuem o direito à vida, apesar de todos habitarem no mesmo planeta e estarem sob o mesmo sol.

Em decorrência desse egoísmo pela qual a formação psicológica dos indivíduos foi estrutura dentro desta sociedade, a relação estabelecida com os outros integrantes desses círculos na maioria das vezes se caracteriza como conveniência, ou seja, a partir do momento em que alguém não apresenta utilidade ou não preenche mais os requisitos necessários para se manter em certo grupo, esse sujeito imediatamente é excluído do seu núcleo, sem remorso algum por parte dos outros participantes.

O ponto fundamental colocado no filme é que mesmo diante da iminência de uma catástrofe devastadora não se ocasiona uma maior integração da humanidade para atuar na resolução do problema.

Desta forma, podemos comparar esse conteúdo presente na ficção com muitas das condutas adotadas no combate à pandemia em que, por exemplo, enquanto alguns países já estão fazendo uso da quarta dose da vacina, outros nem sequer tomaram a primeira dose.

Levando-se em conta um dos posicionamentos majoritários da ciência frente à Covid-19, diferentemente de uma epidemia, como esse vírus não se encontra fixado a determinado local, a sua circulação descontrolada pelo globo pode acarretar no surgimento de novas variantes e com isso postergar a atenuação das suas manifestações patológicas.

Assim sendo, mais uma vez percebemos o quanto a ficção se aproxima e se confunde com a realidade, independentemente dos elementos manifestos pela primeira, que muitas vezes podem destoar das nossas experiências cotidianas.

De um lado, temos o público desesperado, passivo e fragmentado esperando que toda a solução do imbróglio seja milagrosamente dada pelas autoridades competentes.

Por outro lado, temos essas mesmas autoridades associadas com empresários gananciosos e psicopatas, ávidos em extrair o maior proveito particular de nefastas situações coletivas e ainda com as suas retóricas embusteiras tentam convencer as pessoas de que as suas ações visam exclusivamente o bem comum.

No entanto, o que essa casta de poderosos não percebe é o fato de subestimarem os riscos envolvidos nas suas próprias vidas no momento em que negligenciam a gravidade de determinadas situações e elaboram estratégias de ação que apenas passam a falsa impressão de estarem atuando efetivamente na resolução do problema.

E é nesse sentido que menciono a existência da irracionalidade em razão dessas pessoas somente terem olhos para o presente, não conseguindo enxergar sequer um centímetro do trágico futuro que inclusive pode atingir a si ou aos seus descendentes.

Diante das escolhas que a vida nos permite fazer, é importante termos serenidade e sabedoria suficiente para na medida do possível optar por aquilo que a dignifique e não a danifique, pois como essencialmente fazemos parte dela, a sua destruição corresponde ao nosso próprio aniquilamento.

Contrariamente ao título do filme, somente olhando para cima, no sentido de procurarmos obter uma visão mais ampla sobre as coisas, é que poderemos ter uma expansão da consciência suficiente para melhor entender a vida consequentemente respeitá-la.

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POR MÁRCIO SANTIM