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DEATH TO 2020 (2020 NUNCA MAIS) PARTE1

Por Márcio Santim

E vamos começar o ano com a análise de mais um filme produzido pelos criadores da série Black Mirror, Charlie Brooker e Annabel Jones. Apesar de “2020 Nunca Mais” ser considerado pertencente ao gênero humorístico, elaborando uma retrospectiva cômica quanto a vários acontecimentos sucedidos no ano que leva o seu título, subjaz em sua narrativa uma crítica contundente em relação à forma como alguns governantes lidaram com os principais fatos marcantes desse ano, entre eles: a pandemia; o racismo e a destruição da natureza.

Considerando-se o conteúdo apresentado, inicialmente podemos objetar quanto ao exagero na focalização de questões particulares envolvendo principalmente os EUA e o Reino Unido, apesar de ter como pano de fundo a pandemia e a situação vivida por outras nações, mas sempre colocando como protagonistas históricos os principais políticos desses citados países.

Do ponto de vista direcionado para uma análise crítica relativa ao ano de 2020, sem dúvida que para podermos compreendê-lo de maneira mais realista, também precisamos considerar vários episódios ocorridos em outras partes do mundo que foram tão importantes quanto àqueles sucedidos nos EUA, que naturalmente acabaram se destacando sob os holofotes da mídia em razão de seu poderio econômico e influência cultural exercidos a nível mundial.

Entre outros fatos importantes desse fatídico ano, podemos citar: o drástico crescimento do desmatamento na Amazônia, que mesmo devido à gravidade do impacto ambiental gerado, ocupou modesto espaço no jornalismo mundial; as formas como a China, o primeiro epicentro da pandemia, e a Coréia do Sul lidaram com esse problema para evitar com que a doença se espalhasse pelos seus países. Porém, essas ocorrências não aparecem no filme e a meu ver, além de outras, são tão importantes quanto àquelas expostas exaustivamente por ele, tal como a turbulenta eleição presidencial norte americana.

Feitas essas ponderações, parto agora para algumas importantes reflexões suscitadas pelo filme que, grosso modo, levando-se em conta a forma como os fatos foram destacados na retrospectiva poderíamos traduzi-los conforme o seguinte dito popular: “é rir para não chorar”.

Dentro da arte, seja no cinema ou na literatura, a ironia foi utilizada frequentemente como recurso para a realização de questionamentos frente ao existente. Um modo para despertar a consciência do telespectador e do leitor perante algum elemento sério constante na realidade mediante figuras de linguagens amenas e engraçadas que num primeiro momento tivessem o potencial de causar risos para, logo após, uma vez percebida a presença da crítica quanto aos fatos apresentados, provocassem incômodos e inconformismos nas pessoas frente aos mais variados tipos de situações por elas experimentadas.

Assim sendo, o filme objeto desse artigo percorre exatamente esse trajeto narrativo por meio da atuação de personagens cômicos que representam de maneira caricaturada alguns tipos de tendências comportamentais marcantes do mundo contemporâneo.

Entre esses personagens interpretados por atores famosos, encontramos: alguns profissionais (jornalista, psicóloga, historiador, cientista, youtuber); a presença da realeza britânica; uma porta voz não oficial do governo estadunidense; e um ambicioso empresário bilionário.

Além desses ícones conhecidos dentro do filme pelo grande público, ainda aparecem uma figura anônima, sem notoriedade alguma, e outra simplória que possui uma visão de mundo fundamentada apenas naquilo que é difundido nas redes sociais, acreditando piamente em conteúdos com grandes indícios de se constituírem como fake news.

Os comentários feitos por cada um desses personagens diante dos principais fatos ocorridos em 2020 representam alguns tipos de comportamentos clichês apresentados pelos mais diferentes segmentos sociais existentes no mundo real, que fundamentalmente diante da superficialidade e da parcialidade inerentes aos seus posicionamentos, tornam de certa forma os seus discursos muito parecidos entre si ao se estruturarem em bolhas polarizadas, independentemente de suas profissões e classes sociais.

Começando pelo cientista que sob a égide científica especula algumas hipóteses absurdas, sem bases plausíveis, sobre a origem do vírus provocador da Covid 19 que supostamente, segundo a sua teoria, havia surgido de morcegos.

Essa é uma crítica que pode ser feita a alguns meios acadêmicos e também à própria Organização Mundial da Saúde que durante o início da pandemia no afã de prestar explicações à sociedade quanto ao que efetivamente estava ocorrendo com relação à expansão mundial desse problema sanitário, acabou por cometer sérios erros, inclusive no sentido de divulgação das informações quanto à prevenção da doença.

Lembremo-nos que o uso de máscara demorou um pouco para ser reconhecido pela referida instituição como um meio preventivo eficaz, além do fato de a Covid19 ser considerada tardiamente como uma pandemia.

Nos pronunciamentos desse personagem também transparece um pouco da arrogância presente em determinados meios científicos, representada na sua essência por acirradas disputadas ideológicas que tentam impor uma roupagem de veracidade para diversas questões em que muitas vezes não há elementos suficientemente testados para a comprovação das hipóteses levantadas.

Por outro lado, algumas vezes, encontramos algumas evidências clínicas nas práticas médicas, mas que em decorrência de interesses econômicos não lhes são dados muitos créditos, no intuito de se divulgar certas descobertas ou constatações para a população.

Assim sendo, surgem mais monólogos do que diálogos entre posições científicas divergentes. Comunicações essas que poderiam ser fundamentais para fazer com que a ciência avançasse e consequentemente resolvesse vários problemas que afligem cotidianamente as pessoas e não apenas impor certas correntes de pensamento que se tornam hegemônicas e legítimas dentro da sociedade.

Saindo desses debates presentes nos meios acadêmicos, que sem dúvida envolvem muitos interesses alheios aos fins genuinamente científicos, tal como a compreensão efetiva quanto às raízes de determinados problemas, entramos na esfera propriamente política em que a principal crítica colocada pelo filme diz respeito à uma forte presença do negacionismo na sociedade.

Referido termo tem sido bastante utilizado na atualidade para apontar várias tendências sociais reacionárias, sendo trabalhadas pelo filme sob diversos aspectos.

No caso da pandemia, significa basicamente a tendência obsessiva demonstrada por alguns chefes de Estado e pessoas comuns para negarem o potencial patogênico e transmissivo do vírus Sars-cov2, apesar de todas as evidências e alertas realizados por diversos pesquisadores das universidades mais respeitáveis do mundo sobre a sua gravidade.

Uma negação que se desenvolveu tanto a ponto de se converter em mais uma negação feita por esses próprios governantes, a fim recuperarem algum grau de confiabilidade política. Em outras palavras, posteriormente esses mesmos governantes começaram a negar aquilo que eles próprios haviam afirmado anteriormente com relação ao fato de a doença não se constituir como algo sério e que a vida poderia continuar sendo levada normalmente, sem preocupação alguma, como se nada mais grave estivesse acontecendo. Nesse tipo de atitude estaria envolvido algum tipo de transtorno psicológico ou seria de fato a manifestação de uma descarada hipocrisia?

Somente a compreensível e devida preocupação com a economia, principalmente aquela relativa aos países mais pobres, não justifica tamanho descaso com os governados, pois em vez de se atenuar a profunda crise financeira advinda em muitos países, entre eles o Brasil, acabou por posterga-la e intensifica-la de modo a tornar a saída desse precipício uma tarefa épica.

Tempos sombrios que ensejam reminiscências medievais em que a esse tipo específico de negacionismo se juntam outros em voga, entre eles: a crença difundida em alguns meios eletrônicos e religiosos de que a Terra não é redonda, mas plana, apesar de todas as imagens registradas no espaço e do conhecimento acumulado a séculos; a ideia de que não há aquecimento global, a despeito de todas as medições realizadas diariamente em várias partes do planeta, das imagens gravadas por satélites e das constantes tragédias ambientais decorrentes do superaquecimento global, alertadas incessantemente pelos cientistas etc.

Continua na próxima parte!!!

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POR MÁRCIO SANTIM